Pais de prematuros, especialmente dos extremos, assim como eu e meu marido, comumente carregam a lembrança de não terem ouvido o bebê chorar no momento do nascimento. Muitas dessas crianças, assim como minha filha, diante de uma imaturidade fisiológica e neurológica global, nascem sem uma adequada capacidade respiratória e, portanto, sem emitir o choro: um momento tão esperado por, nós, que somos pais.
Você sabia que o choro faz parte do desenvolvimento típico de um bebê e é uma forma de comunicação entre criança e seus cuidadores, mesmo que de forma ainda não específica? Sim! Afinal de contas, as emoções são a principal modalidade para estabelecer uma relação recíproca entre bebê, pais e principais cuidadores. E um dos meios mais preciosos de comunicação das emoções e de diferentes sensações que rodeiam um bebê nos primeiros meses de vida é, justamente, o choro.
E por mais que o choro no começo da vida dos bebês seja uma comunicação não específica, ele ocorre e pode ser causado por diferentes estímulos e sensações, como fome, manifestação de desconforto, dor, ou simplesmente a necessidade de aproximação do bebê conosco para um maior conforto emocional e de segurança. Conforme o sistema nervoso e o cérebro amadurecem e o ambiente da criança se torna mais complexo, o choro deixa de ser um ato reflexo e torna-se um resultado daquilo que desagrada o bebê.
Sensações como o choro de desconforto diante de uma fralda suja ou do desejo de permanecer no colo e ser acalentado também podem ser vividas no ambiente de uma UTI Neonatal. E como sabemos disso, não é? Frequentemente, após os prematuros adquirirem melhor capacidade respiratória de inspiração e expiração do ar, começam a se expressar pelo choro, mesmo que ainda com a acústica baixa e rouca, uma das consequências do uso da ventilação mecânica/invasiva.
A percepção do primeiro choro de um filho em uma UTI Neonatal é muito especial e importante. Pessoalmente, era como se meus filhos estivessem me comunicando o quanto estavam vivos e percebendo as diferentes sensações ao seu redor: as que causavam conforto e acalento e as que geravam desprazer, desconforto ou dor. Nunca me esquecerei do primeiro choro rouco e sem som dos meus dois filhos prematuros!
Porém, ainda no contexto hospitalar, choros muito prolongados e frequentes causam muita angústia aos pais, desencadeando muito estresse e exaustão emocional. Queremos acalentar o bebê, mas, diante de um contexto hospitalar cheio de incertezas clínicas, o choro pode ser um sinal, por exemplo, de infecções, questões gastrointestinais – como o refluxo gastroesofágico, comportamentais – vindas de um ambiente cheio de estímulos, como o de uma UTI Neonatal -, ou diante da necessidade de um maior vinculo afetivo entre o bebê e pais – necessidade de maior contato pele a pele, como o Método Canguru.
Frequentemente, após a alta hospitalar, a rotina de sono do prematuro é uma das atividades diárias que mais causam exaustão emocional e preocupação em, nós, pais diante dos choros duradouros ao longo da madrugada, especialmente quando o bebê ainda necessita de uma atenção especializada, como as provindas de um home care. Vivi muitos momentos de angústia, diante dos choros de meus prematuros, porque, além da possibilidade de ocorrência dos problemas citados anteriormente, vários estudos demonstram que o mesmo choro excessivo, intenso e sem pausa nos primeiros meses de vida também pode ser causado por um desequilíbrio no sistema nervoso central (cérebro), fruto de uma imaturidade do mesmo sistema, o que pode acontecer com frequência nos prematuros a longo prazo e não somente no período em que estão internados em uma UTI Neonatal.
Por outro lado, nós, pais de prematuros também precisamos ter consciência de que, na ocasião da alta hospitalar e adaptação ao contexto domiciliar, os bebês tendem a manter o padrão de sono determinado pelas rotinas da UTI. Assim, demora um pouco para ocorrer uma transição do ritmo e qualidade de sono que, até aquele momento, tinha uma grande interferência da luminosidade, dos ruídos e do manuseio da criança em vários momentos pela equipe hospitalar. A qualidade sonora, de luminosidade e de cuidados com o bebê em um ambiente domiciliar difere muito da encontrada em uma UTI Neonatal, já que é esperado um ambiente muito mais calmo, tranquilo e quieto. Além disso, é válido pontuar que o tempo médio de sono de um prematuro é menor quando comparado à criança nascida a termo, especialmente em relação ao sono mais profundo e tranquilo, nomeado como sono REM -sigla vinda da língua inglesa que significa movimentos rápidos dos olhos-, tão importante para o crescimento da criança. Toda essa compreensão sobre as diferenças de padrão de sono entre o bebê a termo e pré-termo e sobre as reações comportamentais que podem acontecer no período de adaptação ao contexto domiciliar, certifica que, inicialmente, o choro mais intenso pode ser, sim, um sinal interacional/ comportamental nos prematuros.
O bebê pequenino demonstra estresse diante de mudanças na rotina e em seu contexto. E por mais que soe estranho para nós pais de prematuros, sabemos que o primeiro lar, contexto e rotinas de nossos filhos foram as de um contexto hospitalar e não de nossas casas. Portanto, alguns prematuros, especialmente os que passaram por um período longo de internação, podem chorar com mais frequência e intensidade quando estão no processo de adaptação ao lar.
Alguns prematuros, com menos tempo de internação, podem passar pelo período das famosas cólicas já em casa. A cólica é uma manifestação clínica muito investigada, mas ainda obscura. O entendimento atual é que as cólicas dos bebês são uma variação da normalidade, sendo uma expressão de imaturidade gastroinstestinal e que afeta cerca de 20% a 30% dos bebês até 3 meses, especialmente os prematuros, em comparação com os a termo, tendo o choro como a expressão comportamental mais frequente diante do desconforto abdominal.
Porém, o choro excessivo provocado pelas cólicas e que mantém a sua frequência e acústica, mesmo depois de os pais já terem feito várias tentativas para acalmar, acalentar e tranquilizar o prematuro, também pode ser uma manifestação inicial de maior suscetibilidade à dor abdominal recorrente, por exemplo, de alergias alimentares que se manifestarão ao longo da infância.
Como mãe de dois prematuros e especialista em desenvolvimento infantil, sempre observava se a frequência, a intensidade e acústica do choro dos meus filhos e prematuros que já acompanhei, se modificava diante de algumas interferências e modificações no ambiente e cuidados diários dos mesmos. O choro intenso e duradouro provindo de uma alteração neurológica importante ou um quadro de infecção, por exemplo, não altera totalmente a sua frequência e intensidade diante de um tempo maior de colo dos pais, um banho mais prolongado e quentinho, de cantigas de ninar, da redução da luminosidade no quarto do bebê, de um passeio no carrinho, da redução do barulho ambiental ou da vivência de uma rotina mais estruturada, com horários mais fixos para algumas atividades diárias, como a alimentação, o banho e sonos diurnos e noturno.
Como o bebê pequenino gosta muito de atividades sensoriais que favoreçam a ele sensações táteis – como o contato pele a pele -, vestibulares e proprioceptivas – a sensação do corpo em movimento, como um passeio de carrinho ou sling -, visuais – como o contato visual com os pais – , auditivas – como ouvir a voz dos pais -, às vezes, o choro pode ser um sinal que o bebê somente deseja ter mais contato com essas sensações ou que elas estão acontecendo em excesso em seu ambiente. Portanto, quando qualificamos e alteramos a quantidade dessas mesmas sensações e o choro diminui muito, isso é um grande sinal que, possivelmente, o efeito causador de maior estresse e incômodo ser ambiental/interacional e não, propriamente, fisiológico. Afinal de contas, desde muito pequeninos e mesmo sem a linguagem falada, os bebês procuram e desejam ser acalentados e tranquilizados pelo contato afetivo e lúdico com o outro. Desde muito pequeninos, eles precisam de uma rotina estruturada, de diferentes sensações, precisam brincar e explorar o ambiente ao redor. O choro pode ser apenas uma das formas nobres para eles expressarem que já percebem o que os desagrada com maior intensidade, como uma dor ou fome e o que agrada enormemente, como o aconchego de um colo, um banho quentinho ou um passeio ao ar livre em um sling.
Dessa forma, para entender melhor o choro dos prematuros, é fundamental o diálogo com o pediatra responsável pela criança. Somente conhecendo as situações desencadeantes do choro, trazidas por, nós, pais, nas consultas mensais de nossos filhos, é que o médico fará uma avaliação da complexidade do sintoma e das possíveis causas, observando não somente o aspecto fisiológico, mas a dinâmica e rotina do contexto ambiental e a forma como os principais cuidadores estão relacionando, interagindo e brincando com a criança.
Um abraço, com grande afeto, Teresa Ruas