Após tantos anos de transformação e luta, as mulheres podem hoje se arvorar a serem mães solo. Pois elas ganham seu dinheiro, gerenciam a casa e podem ter ajuda contratada. Isso é maravilhoso, pensa uma sensação de liberdade!
Um efeito interessante destas mudanças sociais que podemos eventualmente observar é a mudança nos papéis que cada um exerce. Homens e mulheres são capazes e podem muito bem se incumbir das funções de cuidado de um bebê. Isso é algo muito maravilhoso, afinal é possível revezar e fazer mais combinações de como a rotina vai funcionar. Por outro lado, ter opções carrega um pequeno problema: não tem manual. Se não temos o nosso script definido, podemos escolher e vamos ter que negociar, inventar e criar estes novos modos de vida familiar.
Nos modos mais tradicionais parecia mais fácil saber o papel de cada um, a mulher e o homem namoram, se casam, daí eles tem um filhinho que será gestado, amamentado e receberá os cuidados de uma carinhosa mãe, que poderá se dedicar a este bebê integralmente, afinal o pai, seu marido, estará garantindo o sustento desta família trazendo dinheiro pra casa.
Não temos mais somente este modo de realizar a chegada de um bebê. Isso hoje ocorre de várias formas. Estes papéis não estão mais tão delimitados pela divisão do trabalho que conhecíamos.
Esta flexibilização é muito maravilhosa, mas pode deixar a definição dos papéis meio confusa para os pais. Se todos podem trabalhar fora e também trocar fraldas, pegar no colinho, então quem faz o que?
Ainda que fique confuso pra todos, tendo a pensar que nessa o pai sai mais prejudicado. Para as mães parece que há um lugar mais definido. É muito comum visitar um bebezinho recém-nascido e levar algo de presente. Uma roupinha, um brinquedinho. Muita atenção se dá a ele, todo mundo que pegar no colinho, brincar com ele, mas tudo isso pára quando é chegada a hora de mamar. Se a mãe dá o seio ou a mamadeira ali mesmo, ou precisa de silêncio, ou precisa ir lá no quarto, todo mundo entende e espera, ou vai embora. A mamada é o mais importante. O banhinho, a troca, estas coisas também. A mãe e o bebê precisam de privacidade, tranquilidade, estas funções são claras. Mas e este homem? Este que chamam de pai? O que que ele faz? Não precisa dele pra dar leite, não precisa dele pra dar banho ou colo, trocar fralda então, nem pensar. Inclusive dizem que a brutalidade masculina não combinaria com o frágil bebê. Juntando estes já conhecidos hábitos com o fato de que as mulheres estão empoderadas, emancipadas; nem pra caçador o pobre pai serve mais.
Nas instituições também, hospitais, UTI neonatais, berçários. É como se de repente alguém dissesse: ‘ah é! Tem o pai também!’. Daí convidam por educação para uma reunião ou participação em algum procedimento.
Fica por ali, para lá e para cá, abrindo porta, conversando, fazendo sala, comprando fralda. Bom, se qualquer um pode fazer isso, não precisa do pai. Ele é dispensável portanto?
Claro que não. Mas isso não é tão claro, nem tão óbvio assim. Tanto que é preciso um texto pra falar disso. Este sentimento de sem lugar, sem importância, sem noção do que fazer é muito comum nos pais. Nas mães também até, afinal ninguém nasce sabendo, mas pra elas as orientações são expressas, desde a enfermeira no hospital até as vovós e titias, têm um milhão de dicas e rotinas do que uma mãe deve fazer. (a gente pode questionar este DEVE FAZER, mas isso fica pra outro texto, este é para os papais)
Aquele homem que já está com seu mundo de cabeça pra baixo não receberá orientações muito claras, nem de profissionais, nem de parentes, todo mundo conversa mais com a mãe; nem tampouco de sua própria história, já que o contexto socio cultural em que seu próprio pai viveu era tão outro. Ele não tem uma atividade clara, e sua participação não é de papel principal, mas a função destas ações aparentemente pequenas e secundárias dele, são da maior importância para a vida deste bebê.
Sem a óbvia composição familiar ‘Doriana’ que tínhamos, teremos que encontrar por outros caminhos o que faz de fato um pai.
Só tem um jeito fácil de demonstrar isso: Contando histórias. Apresentarei pequenas vinhetas reais da vida e convido vocês a decantarem o que é este elemento pouco óbvio e, muitas vezes, desvalorizado: o pai.
Nestas histórias as mãe e bebês contam com a presença física do pai. Deste homem que de corpo presente, participa da chegada do filho no mundo.
No entanto antes é preciso uma ressalva muito importante. Que não se transmita a ideia de que as mulheres que não contam com a presença do pai da criança não possam passar pela maternidade com apoio e alegria. A função paterna de suavizar, mediar, acolher se realiza por uma aldeia. Por familiares, por instituições, por outras mulheres e pela própria mãe às vezes. Mas que isso seja possível sem o progenitor, não quer dizer que se houver um corpo ali, presente e desejante de ser pai, que ele não seja importante e extremamente desejável.
Se reconhecer a história pode ser que seja a sua.
“…Era uma vez uma mulher que precisava verificar a respiração do filho enquanto ele dormia, ela passava as noites em claro com seu bebê do seu lado e com medo dele parar de respirar. Então um belo dia ele chega, em seu cavalo branco e diz: deixa que eu fico lá com ele no berço dele. Se algo acontecer eu te chamo. Mas ele nunca precisou chamar e todos dormem felizes em suas camas…”
“…Uma linda menininha nasceu. Era calma e doce. De repente virou uma criança que não parava de chorar por nada. Agitada e nervosa. A pobre mãe deste bebê começou a se angustiar gravemente, pois sentia arrependimento e irritação com sua amada filha. Então ele chegou com sua varinha mágica e disse: onde é que a gente devolve ela mesmo? Então eles começaram a rir e passou sua angústia…”
“…Foi assim, ela cortava a unha minúscula e fina do seu bebê e tirou um bife. Deus, nunca nesse mundo uma mulher sentiu tanta culpa e desespero. Ela ligou pra ele em prantos. Ele veio em sua nave e chegou em minutos em casa. E disse: eu vim por você. E a abraçou. E tudo ficou bem…”
“…Uma mulher chega todos os dias em casa com sacola, bolsa, computador e bebê. Ela entra, larga tudo lá na mão dele, inclusive o bebê. Ele não diz nada. Só recebe. Ela vai tomar um belo banho antes de dar a última mamada do dia…”
“…Hoje será um dia difícil. Ela precisa chegar mais cedo. Tem uma reunião. Então ela tem que arrumar a mala do neném hoje, mas exausta, pega no sono e perde a hora. Acorda que nem louca. E chocada. Ela nem pediu pra ele, e encontra a malinha pronta, com fraldas e tudo. Ela pensou: Ele que fez. Do jeito dele, mas fez…”
“…Que fase difícil. Nasceu antes da hora, extremamente. Estão lá ainda e talvez por muito tempo. Esperando o bebê ficar bem pra ir pra casa. Ela tira leite, ela está se recuperando também. E tem uma notícia que temos que dar. Ela não pode receber isso agora, seu corpo está frágil também. Para quem a gente fala? Ele está lá. É pra ele que a gente vai falar…”
Quem é ele? Em todas as histórias ele está. Ele faz, ele escuta, ele cuida, interfere. Recebe o de melhor e o de pior deste momento. Ele está entre a mãe e o bebê. Um anteparo. No meio, que filtra, apazigua, sente o impacto e o suaviza.
Ele é o PAI.
Texto de Juliana Venezian, psicanalista da equipe interdisciplinar @prematurosbr
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Um grande abraço, Juliana Venezian e equipe prematurosbr