Um relato de uma mãe de UTI Neonatal diante do dia do bebê prematuro.

Olá a todos os seguidores desse espaço tão estimado por mim. Hoje, o dia do bebê prematuro, escrevo e dedico esse post a todos os pais de UTI neonatal que estão enfrentando o dia a dia hospitalar. E para os pais que já vivenciaram essa dura experiência, convido a compartilharem as opiniões diante da leitura do mesmo, ok? Um relato de uma mãe de UTI Neonatal 

Vivenciar a prematuridade extrema e/ou períodos de longa permanência em uma UTI é experimentar oscilações, instabilidades e dificuldades diariamente. Dificuldades essas que se traduzem em dor, sofrimento, ansiedade, melancolia e, ás vezes, muita culpa em pais de uti neonatal e que passam por um longo período de internação hospitalar.
O vazio que todos os pais de uti sentem não é somente expresso diante da falta da criança no ventre materno –que por sinal sentimos que o nosso filho foi arrancado de nós-, da falta da criança em nossos braços, mas também diante da explosão de tantos sentimentos e sensações que somos ‘obrigados’ a lidar todos os dias. As oscilações, portanto, não ocorrem somente em nossos filhos, mas também em nós que somos pais.
E quando nós pais escutamos da equipe que precisamos estar bem, confiantes, fortes e maduros- naquela situação de completo desespero e que é extremamente diferente do que foi idealizado por um pai e por uma mãe- quais são os recursos, realmente, capazes de ajudar, fortalecer e empoderar pais tão sofridos, angustiados e que precisam, sim, de chorar?
Atualmente, venho questionando, como profissional da saúde e como uma mãe de uti,  quais são, de fato, os recursos que podem, realmente, gerar mais saúde para os pais e, assim, consequentemente para o bebê em um ambiente hospitalar como uma uti neonatal.
Será mesmo que somente as técnicas, os procedimentos e as certezas científicas expressas pelas probabilidades de risco e/ou ocorrência podem acalmar o desespero dos pais? Será mesmo que somente a objetividade cientifica pode acalentar uma mãe que não consegue ainda lidar com toda aquela situação? Será que todas as expressões emitidas pelos pais devem se tornar sintomas e serem transformadas em diagnósticos médicos, como depressão, transtorno de ansiedade, pânico, entre outros? Será mesmo que cada bebê prematuro extremo deve ser visto como mais um caso clínico pela equipe, ou deve ser visto como uma criança, além de seus sintomas?
Quando questiono esses pontos não estou em nenhum momento sendo contra os avanços científicos e a melhoria das técnicas e dos procedimentos clínicos. Muito pelo contrário! Sou extremamente consciente, como mãe e profissional da saúde, de que foi esse mesmo avanço científico que garantiu a sobrevivência da minha filha, prematura extrema.
Porém, essa mesma mãe e profissional também aprendeu- na prática e não somente na teoria- que pais mais saudáveis, mais calmos, mais confiantes e mais acolhidos significam mais promoção de saúde para o bebê. E muito provavelmente, esse bem estar do bebê interfira tão positivamente para o aumento de sua própria resiliência, sendo um dos maiores efeitos de proteção contra as adversidades que podem acometer um prematuro extremo.
Pais mais saudáveis e mais confiantes são aqueles que recebem acolhimento afetivo e não somente a pura demonstração da eficácia de técnicas e procedimentos de alta complexidade. Talvez, os pais que passam por um período muito curto de internação – somente dias-  em uma UTI, ‘procurem’ mesmo  somente as técnicas e os  procedimentos que garantam a sobrevivência de seus filhos e ponto final. Mas com pais de longa permanência a história é outra. Afinal de contas, o hospital se transforma em nossas casas. E será mesmo que as nossas casas são ausentes de afeto, de carinho e de acolhimento? Tenho certeza de que não. Nossas casas são ambientes que nos trazem segurança, bem estar e muito acolhimento, não é mesmo?
Portanto, pais de longa permanência- meses e meses-  querem e desejam proximidade afetiva com a equipe hospitalar. Clamam para que a ciência e o afeto caminhem juntos e que não sejam vistos separadamente.
E nessa minha experiência, como mãe de UTI, após tantas adaptações e choros, aprendi que essa relação entre afeto e ciência estava expresso em muitos componentes da equipe hospitalar e, principalmente, nas histórias de relato que encontrávamos na internet e em blogs de pais que haviam passado pela mesma situação.
Ciência e afeto se interligam quando uma médica não deixa de expressar a sua experiência profissional ao entubar uma bebê que nasce entre a vida e a morte, em questões de segundos, e isso fazer toda a diferença para a sua saúde neurológica, mas não deixar de olhar e acolher o choro desesperado da mãe dessa mesma bebê. 
Ciência e afeto se interligam quando uma médica não deixa de expressar a sua competência técnica para socorrer uma bebê diante de uma parada cardíaca e, ao final, senta com os pais e chora com eles. Mesmo que ela tenha aprendido na faculdade que a objetividade não deve se unir a subjetividade e vice versa e que os médicos precisam ser fortes porque lidam com a morte. Muito pelo contrário! Médicos podem e devem expressar os seus sentimentos e sensações. São seres humanos como qualquer outro!
Ciência e afeto se unem quando o ódio por um médico se transforma em muito carinho e em muita admiração. Aprendi com um neonatologista que acolhimento afetivo não acontece somente com as pessoas ditas mais amorosas, ou mais pacientes e, sim, também com as mais objetivas, realistas e até mais duras. Porque o primeiro passo para acolher é ter a sinceridade e a predisposição para acompanhar o outro. E para acompanhar o outro precisamos conhecer. Não só os médicos precisam conhecer as características dos pais, mas também os pais precisam conhecer as características dos mesmos, até para sabermos em que momento podemos recorrer a cada membro de uma equipe hospitalar.   
 Ciência e afeto se unem quando as enfermeiras se transformam em reais psicólogas. São elas que ficam a maior parte do tempo com os nossos filhos, são elas que conhecem as particularidades de cada criança e são elas que sabem como os pais estão. E por isso mesmo que defendo a concepção de que crianças de longa permanência precisam ficar com enfermeiras fixas e que conseguem estabelecer empatia com os pais. Afinal de contas, ter a certeza de que seu filho está nas mãos de enfermeiras e que são vistas como uma mãe, pelos pais, é um dos recursos mais potentes que garantem a saúde afetiva dos pais. Uma noite bem dormida por pais exaustos, emocionalmente e fisicamente, pode ser muito mais eficaz do que o efeito de um remédio ansiolítico!
E como fazer para que os pais de UTI, realmente, acreditem e confiem no que a equipe hospitalar diz sobre o tempo de maturação de cada criança, sobre as instabilidades, sobre a demora de uma evolução, sobre a possibilidade de não sequelas e sobre a importância de viver um dia de cada vez, senão tiverem contato real com pais que já passaram por tudo isso? O maior recurso terapêutico é quando, nós, pais temos o suporte afetivo e o suporte informacional vindos não, somente, pela técnica de uma profissional e, sim, pela experiência e pelas palavras de outros pais que vivenciaram exatamente aquilo ou, muito semelhante, com o que cada um esteja vivendo.
Ultimamente, tenho defendido que esse é um dos principais recursos terapêuticos que une ciência e afeto e que é totalmente efetivo para os pais de UTI e/ou longa permanência hospitalar. Ouvir os pais que vivenciaram situações semelhantes é sinônimo de empoderamento e força. E pais mais confiantes e fortes são pais menos doentes e mais felizes. Pais mais felizes significa bebê mais calmo. E bebê mais calmo significa menos queda de saturação, menos infecção, menos instabilidade clinica e, por consequência, mais saúde.
São os pais que já vivenciaram essa experiência quem podem dizer: EU SEI O QUE VOCÊ ESTÁ PASSANDO E COMPREENDO OS SEUS SENTIMENTOS E AFLIÇÕES. São eles as nossas maiores referências ‘de que é possível’ , ‘de que é assim mesmo’ e ‘de que poderemos ter esperança’. Talvez por esse motivo, tenha sentido tanta vontade em escrever esse depoimento, como uma forma de acolher outros pais que estejam passando pela mesma situação. Pois, realmente, proporcionar aos pais encontros com ‘histórias de vida’ é um dos principais e mais eficazes recursos terapêuticos para a vivência em um ambiente hospitalar, como uma uti neonatal.
Um grande beijo, Maitê Maria e Tetê 

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