Post dedicado aos profissionais de saúde e pais de prematuros
Olá a todos!
Diante do mês LILÁS em prol da conscientização sobre as causas e efeitos da prematuridade, a temática escolhida foi sobre a importância do Método Canguru nos ambientes de UTI Neonatal e no pós alta e sua inter- relação com a promoção da saúde materno infantil. Já havia postado sobre esse tema no meu antigo blog pessoal, mas revi todo o texto e acrescentei informações importantes sobre as consequências positivas para o bem estar fisiológico (homeostase), desenvolvimento neurológico e afetivo de todo prematuro que recebe o canguru de sua mãe, pai, ou quando, necessário, de uma pessoa que o acolha, como os avós ou até mesmo voluntários que acompanham recém- nascidos em situação de vulnerabilidade social e/ou emocional.
Como forma de acolher outras famílias que estão passando pelos desafios impostos pela prematuridade, relato também como me senti no primeiro dia no qual segurei, em meus braços, Maitê Maria (23 semanas e 1 dia) e Lucca (32 semanas). Uma das minhas funções nesse espaço é me expressar não somente como profissional da área da saúde, mas também como mãe de prematuros, justamente, por acreditarmos na eficácia dos relatos semelhantes de vida como uma fonte importante de acolhimento e de suporte afetivo para outras mães, pais, familiares e gestantes de risco que estejam enfrentando a dura realidade hospitalar.
Pele a Pele: Método que une a ciência ao afeto.
O Método Canguru teve sua origem na Colômbia, no final da década de 70, no Instituto Materno Infantil de Bogotá, com o principal objetivo de promover melhores condições no acompanhamento do recém-nascido pré-termo e/ou de baixo peso, especialmente, quanto ao ganho de peso, menor tempo de internação em uma UTI Neonatal e ao desenvolvimento psíquico e afetivo de mãe e bebê. Ou seja, um método inovador capaz de promover experiências afetivas que pudessem gerar uma outra qualidade de interação, proximidade e cuidados entre uma recente mãe e bebê.
Inicialmente, os programas se intitulavam como Método Mãe Canguru, exaltando a grande importância do binômio mãe- bebê para o desenvolvimento da criança, mas atualmente sabemos o quanto a participação do pai ou de pessoas que ofereçam o acolhimento e o cuidado afetivo diante da ausência ou impossibilidade da presença dos genitores também pode promover o bem estar do recém- nascido.
No Brasil, as ações desse método tiveram início no SUS somente em 2000 e o primeiro adepto foi o Instituto Materno Infantil de Pernambuco. Atualmente e, a partir de 2007, o método ganhou maior visibilidade científica o que causou uma obrigatoriedade de sua aplicação em todos os espaços que promovem o acompanhamento de gestantes e bebês de alto risco e que necessitam passar por um período de internação.
O Método conseguiu maior respaldo científico diante de pesquisas com animais e crianças em situação de privação infantil, nas quais verificaram uma forte relação entre a falta do toque, do afeto, do acolhimento materno e os atrasos significativos quanto ao crescimento – especialmente ganho de peso-, desenvolvimento dos bebês e crianças- especialmente quanto à cognição e as emoções- e à função imune. A falta do contato pele a pele, o que chamamos de toque nutricional entre mãe e bebê, foi um dos principais causadores de estresse pós natal, interferindo na homeostase fisiológica do binômio mãe- recém-nascido.
Atualmente, a ciência já consegue afirmar que a falta da relação entre recém- nascido e mãe não somente interfere na homeostase fisiológica como também na plasticidade do Sistema Nervoso Central (SNC). Ou seja, na capacidade do SNC se moldar, se remodelar e se adaptar em resposta a insultos intrínsecos ou extrínsecos. O recém- nascido que não sofre a privação do toque e do afeto tem uma melhor resiliência e plasticidade neurológica, o que confirma uma relação direta entre o afeto e uma melhor capacidade neurológica do SNC em se remodelar.
Concluindo, as primeiras pesquisas utilizando o método canguru conseguiram afirmar o quanto ele era de fundamental importância para o ganho de peso, estabilidade térmica, melhora na função cardíaca, respiratória e imune, redução do tempo de internação, aumento da produção do leite materno e as mais recentes comprovam o seu beneficio até mesmo na plasticidade neurológica dos recém- nascidos.
Porém, por mais que a ciência já pontue a eficácia e a importância desse método para a saúde do binômio mãe- bebê, infelizmente, ainda temos muitas diferenças na forma de promover esse método tanto na saúde pública, quanto na privada, por exemplo, quanto ao tempo e espaços destinado a sua execução. No entanto, mesmo que saibamos da necessidade de melhorias no acompanhamento da saúde materno- infantil em nosso país, já conseguimos ganhos quanto a importância da humanização em espaços marcados pelo tecnicismo, nos quais o método canguru só tem potencializado a essência do toque, do afeto, do cheiro e do acolhimento materno para o crescimento e desenvolvimento de recém- nascidos em situação de risco, tais como os prematuros e/ ou de baixo peso ao nascer.
Começarei o relato sobre a minha experiência pessoal com o método canguru, relembrando e descrevendo como foi a sensação do meu primeiro contato pele a pele com minha bebê, que naquele momento, pesava um pouco mais de 600 kg. Minha filha já tinha quase 5 semanas de vida. Porém, a fragilidade de seu corpo e de seu estado fisiológico a impediam de estabelecer qualquer contato mais próximo com o meu corpo. O contorno do corpo de minha filha eram fios e cabos em uma incubadora. O cheiro que mais sentia era o de álcool. Os barulhos que ouvia eram muito distintos dos uterinos. Até esse momento, havia, apenas, colocado as minhas mãos sobre o seu pequeno corpo e cabeça.
Em um estudo de 2015, pesquisadores usaram a ultrassonografia para rastrear a resposta do feto e descobriram que quando a mãe esfregava a barriga, o feto tinha mais movimentos dos braços, boca e cabeça do que quando a mãe somente falava com o bebê ou quando não expressava nenhum comportamento. Como já pontuado em textos anteriores aqui em nosso site, o sistema tátil é o primeiro sistema sensorial a se desenvolver – 7 semanas de gestação-, é a nossa primeira forma de comunicação e de contato com o outro, por isso ser tão importante e fundamental ao apego emocional e os fetos serem tão sensíveis ao toque humano, mesmo ainda em ambiente uterino.
Diante de minhas experiências profissionais e pessoais aprendi que prematuros gostam de sentir o toque mais profundo. Gostam de sentir o peso de uma mão aberta ou com os dedos fechados sobre algumas partes de seu corpo, como tronco- tórax- e cabeça. Não gostam de sentir o toque mais leve ou suave, por exemplo, quando os acariciamos com as nossas pontas dos dedos. Muitos bebês quando são acariciados com o toque suave agitam-se muito, tendo como consequência a queda de saturação. Todo esse conhecimento pode fazer muita diferença na qualidade dos cuidados de um recém nascido em UTI Neonatal, potencializando ainda mais a interação entre pais e bebê.
Em meu primeiro dia em que, de fato, senti a interação corpo a corpo com minha filha, nunca irei me esquecer da enfermeira Viviane Bianca Bella que chegou bem pertinho de mim e disse: ‘Maitê Maria quer conhecer a sua mamãe de um outro jeito hoje. Ela me disse que gostaria de ir para o seu colo.”
Eu me lembro como se fosse hoje que, ao ouvir aquelas palavras, imediatamente comecei a chorar e de forma intensa. Um misto de sentimentos tomou conta de todo o meu corpo, pois ao mesmo tempo que estava muito feliz, eu fui tomada por um medo arrebatador e por uma culpa gigantesca.
Estava muito feliz porque seria a primeira vez que sentiria a minha filha em meu colo. Mas estava tomada pelo medo, porque Maitê Maria era uma bebê tão pequena, tão frágil, entubada e toda cheia de fios que não conseguia nem imaginar como uma recém- nascida, com pouco mais de 600 kg, se acomodaria contra o meu tórax. O sentimento de culpa também estava presente, pois não admitia estar extremamente assustada diante de todo aquele contexto, ainda mais sabendo da importância fundamental do toque para o bem estar, crescimento e desenvolvimento de todo prematuro.
As equipes de profissionais de uma UTI Neonatal precisam estar cientes que apesar de todos os benefícios do Método Canguru para a saúde de mãe e bebê, podem existir sentimentos difíceis que interferem na autoconfiança e autoestima dos pais, especialmente da mãe para a execução do método, tais como o medo, a angústia, a culpa, a ansiedade e a negação. Portanto, nesse momento, é imprescindível que toda a equipe hospitalar esteja pronta para acolher as reações maternas/ paternas, compreendê-las, ressignificá-las e, de forma alguma, forçar e/ou exigir que a mãe e pai estejam prontos psicologicamente para aquela ação.
Aprendi que para segurar um recém- nascido com pouco mais de 600 kg, que corre um grande risco de vida, entubado, cheio de fios em seu corpo frágil e pequeno, monitorado por várias máquinas… é preciso um fortalecimento afetivo para tal. Afinal de contas, segurar um bebê em que você consegue sentir todos os ossinhos fazendo uma pressão contra o seu próprio corpo, que em todos os instantes cai a saturação e que, em muitas vezes, não permanece por mais de 10 minutos em seu colo, porque sofreu parada cardíaca e precisa ser reanimado… é uma realidade muito difícil e muito diferente da sonhada e desejada por toda mãe ao segurar o seu bebê em seus braços pela primeira vez; por mais que saibamos e sejamos orientadas sobre os reais benefícios do método canguru.
Portanto, acompanhar os momentos de cuidado entre pais e prematuros em uma UTI Neonatal, respeitando as expressões afetivas dos mesmos é de fundamental importância. Diante das minhas experiências pessoais, eu não teria conseguido pegar Maitê Maria naquele dia, se a enfermeira Viviane não estivesse ficado o tempo inteiro ao meu lado, me dando forças e acolhendo o meu sofrimento ao sentir a extrema fragilidade física de minha filha em meu peito. Ela soube transformar a minha dor em uma sensação única de prazer e verdadeiro afeto. Ela pedia para eu esquecer os barulhos das máquinas e me focar naquela sensação em estar recebendo a minha filha em meus braços. Pedia para que eu a olhasse, a cheirasse e cantasse para ela. E por mais que o nosso primeiro encontro tenha durado poucos minutos, diante do acompanhamento de uma enfermeira extremamente experiente e humana, consegui ter forças e coragem para enfrentar o tão esperado dia… O dia de colocar a minha bebê em meus braços e peito, tentar transmitir a ela o quanto a amava, apesar de ser tão diferente da bebê que havia imaginado e apesar de ser, naquele momento, uma mãe com um coração tão cheio de medos, inseguranças e tristezas.
Após Maitê Maria ter voltado para a incubadora, Viviane veio conversar comigo a fim de explicar que o método canguru em bebês de alto risco, como minha filha, seria feito de forma muito gradual e respeitando as condições clínicas da criança e o estado emocional da mãe. Quando ela me disse que todos ali respeitavam o estado emocional da mãe, toda aquela culpa sentida foi dando lugar para outros sentimentos, tais como o da esperança. Pude perceber que pelo fato de não me sentir julgada e cobrada por apresentar forças para segurar uma bebê tão frágil, tão pequena e tão diferente de uma bebê a termo, consegui me fortalecer e passar a tarde toda ao lado da incubadora de minha filha, cantando ou colocando toda a minha mão em seu corpo.
Tenho percebido em minhas experiências profissionais em UTI Neonatal que quando os pais, em especial a mãe é acolhida e recebe recursos para elaborar os seus difíceis sentimentos, ter o seu filho em seus braços pode significar ter um espaço afetivo e único para exercer a maternidade com o seu próprio corpo, sensações e emoções, ou seja, em meio a um contexto hospitalar ter um colo e braços para acalentar, esquentar, ninar e proteger a própria cria.
Com Lucca, meu segundo filho, conseguia fazer o canguru com mais confiança e com menos auxílio técnico e psicológico. Ele era um bebê com 2000 kg, com menos fios e aparatos em seu corpo. Não corria risco de vida. Não iria necessitar de nenhum procedimento cirúrgico. Desde o nosso primeiro contato pele a pele no segundo dia de vida, a esperança e o otimismo tomou conta de mim. Eu sabia que iria passar um tempo na UTI Neonatal para aprender a sugar e a controlar a sua deglutição e respiração, sem que a saturação caísse. Porém, mesmo enfrentando um outro quadro de gravidade clínica com o meu segundo filho, recebi todo acolhimento e toda ajuda para colocar Lucca em meus braços. A equipe sabia que era a segunda vez que estava naquele ambiente e o quanto estava exausta emocionalmente por passar por uma outra gestação de alto risco. Novamente, as enfermeiras fizeram toda a diferença em promover uma melhor qualidade na interação mãe- bebê.
As pesquisas tem demonstrado que toda essa qualidade no cuidado entre pais e prematuros, tão específico do movimento da humanização em contextos hospitalares, é um dos recursos mais eficientes para o fortalecimento parental. Nós pais vamos percebendo que apesar de todas as dificuldades que surgem no contexto hospitalar, podemos nos sentir mais fortes quando acolhemos os nossos filhos em nossos braços. Afinal de contas, ter o nosso bebê em nossos braços é um momento em que dois corpos que se amam, encontram-se concretamente em uma relação de fé, esperança e otimismo. Um encontro entre pele e pele, corpo e corpo capaz de unir um filho desejado e pais que desejam acolher e receber o seu filho em seus braços.
Segue abaixo o link de um filme com muitos momentos de pai e mãe de Maitê Maria e Método Canguru e ações de humanização no contexto hospitalar.
Um grande abraço, Teresa e Ana
Obs: Proibida a utilização de fotos de arquivo pessoal
Referências Bibliográficas:
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