A dor e a espiritualidade: experiências únicas em uma UTI Neonatal

Olá a todos os seguidores desse espaço tão estimado por mim. Espero que todos estejam bem! Como todos sabem, estou com o Lucca de 4 meses e o meu tempo está bem escasso com 2 filhos. Além disso, diante de toda a minha trajetória de uma segunda gestação de risco e, novamente o nascimento prematuro do caçula, apresentei sintomas de depressão pós parto. Assunto esse que irei abordar com muito carinho aqui e em outros veículos, especialmente, sobre o preconceito que existe sobre essa doença.As pessoas ainda não estão preparadas para acolher uma mãe com depressão pós parto, especialmente, quando essa mesma mãe e mulher é uma terapeuta que lida com essa temática e realidade em seu dia a dia. O que já posso afirmar é que as pessoas ao meu redor se assustaram muito diante dos sintomas que apresentei da depressão pós parto e, frequentemente, o acolhimento se tornou um julgamento do “tipo”: Teresa Ruas,  casa de ferreiro, espeto é de pau, não é mesmo minha amiga?… Mas irei abordar esse assunto com muita calma aqui. Aguardem!E para dar uma mexida aqui no blog, resolvi postar uma parte pequena de um dos capítulos do livro Prematuridade Extrema: olhares e experiências da editora Manolle, 2016 sobre as experiências com a dor e a espiritualidade que toda mãe e pai de UTI Neonatal passam. Espero que gostem e até o próximo post.Um grande beijo, Maitê Maria, Lucca e TetêA dor e a espiritualidade: experiências únicas em uma UTI Neonatal

…”O nascimento de todo filho é idealizado pelos pais como um dos momentos mais felizes e inesquecíveis que a vida pode proporcionar. Ouvir o primeiro choro, sentir e acolher o bebê no colo, dar um beijo em seu filho e dizer o quanto está feliz pela sua chegada, oferecer o leite materno como fonte de alimento e como fonte de afeto e ficar admirando todo o corpinho e todas as características daquele novo membro familiar.Ao contrário, o nascimento de um prematuro extremo feito às pressas e com total urgência clínica para garantir a saúde e a vida de mãe e bebê não é uma experiência de celebração de um nascimento e, sim, de uma retirada precoce de um filho que ainda teria muito tempo no útero materno para se desenvolver.  A minha sensação foi que Maitê Maria havia sido arrancada de mim, deixando um vazio enorme em meu corpo, em minha alma e em meu coração. Não ocorreu o primeiro choro e muito menos o primeiro beijo. Ao contrário, foi entubada- respiração mecânica- em questões de segundos, colocada em um saco para impedir a perda de calor, colocada em uma incubadora e levada às pressas para UTI Neonatal. A única coisa que sabíamos é que o seu coração estava batendo.  Com o Lucca foi um pouco menos traumático, pois conseguimos chegar as 32 semanas gestacionais. Porém, também não o tive em meus braços, já que foi direto para a UTI Neonatal.  Diante de duas experiências com a prematuridade- uma a extrema e, a outra a intermediária- penso que todas as mães que passam por uma gestação normal podem sentir um vazio diante do nascimento de seu bebê, ao ver que o seu corpo não é mais a ‘morada’ de duas pessoas ao mesmo tempo. Esse sentimento de vazio e incompletude pode ocorrer, portanto, em mães que passam 40 ou mais semanas gestacionais com os seus filhos em seus úteros. E em mães que não completam nem ao menos o segundo semestre de gestação, como o meu caso e de muitas outras mulheres, essa sensação de vazio e de incompletude é, simplesmente, avassaladora. É uma dor muito grande e que por muito tempo nos acompanha. E esse vazio poderia ser preenchido, como é preenchido nas mães que finalizam uma gestação, pelos comportamentos que o bebê faz: abre os olhinhos, abre a boquinha, chora e se acalenta no colo materno, chora e se sacia diante do leite materno e, sem, contar com toda a elegância que expressam quando vestem as belas roupinhas de bebê. O vazio, portanto, vai sendo preenchido por outras experiências que nutrem e que fortalecem os laços de afeto entre mãe e filho, entre filho e pais e entre o casal.E quando esse mesmo vazio não pode ser preenchido pelas experiências de acolhimento corporal- mãos com mãos, colo, peito, beijos, olho no olho-? O vazio e a incompletude se tornam muito maiores, pois os primeiros e diversos contatos com o bebê ocorrem tendo limites e fronteiras físicas. Entre o cheiro da mãe e de seu filho existem as paredes de uma incubadora, entre as mãos dos pais e bebê existem diversos fios que garantem a nutrição e o monitoramento do estado do bebê, entre os sons que poderiam sair da boquinha do bebê e de seus pais, existe todo o aparato da ventilação mecânica, e entre o afeto parental existe a insegurança e o medo da morte de uma vida que expressa muita fragilidade e que requer muitos cuidados médicos. Sim, o vazio de pais de UTI, especialmente, das mães de UTI é em dobro. Além de perdermos a experiência corporal e afetiva de uma gestação, perdemos também a vivência afetiva e de contato direto com os nossos filhos. Além de não os termos mais em nossos ventres, também não os temos em nossos braços. E, portanto, em qual lugar colocarmos esses filhos que não podem receber o nosso acolhimento afetivo e corporal? O lugar escolhido para preencher esse vazio necessita ser, obrigatoriamente, o coração e a alma. O acolhimento de pais de UTI, aos seus filhos, passa a ser espiritual, principalmente, diante de uma troca de energias positivas e sentimentos como a fé e a esperança. Aprendi que a espiritualidade e os pensamentos positivos é que são capazes de preencher o vazio e a incompletude de uma mãe de UTI Neonatal e que não teve a oportunidade de vivenciar todo o ciclo de transformações corporais e afetivas que uma gestação normal proporciona. O amor dos pais, o exercício da paternidade e o da maternidade passam a ser expressos diante das intermináveis horas que passamos no hospital, da árdua rotina diária entre UTI e casa, das incessantes tentativas em tirarmos o leite materno com a bomba de sucção, dos incontáveis dias que passamos sentados ao lado da incubadora, das angústias sentidas diante da espera por um resultado médico e/ou pela finalização de um procedimento cirúrgico- por exemplo, a cirurgia cardíaca típica dos prematuros extremos-, da sofrida adaptação ao ambiente hospitalar e todas as suas características, da ansiedade sentida diante da demora para estubar, sair do CPAP- continuous positive airway pressure/ pressão positiva contínua nas vias respiratórias-  e para o nosso filho ser independente do oxigênio. Além dos choros de sustos e de exaustão física e emocional ao percebemos uma grave queda de saturação e/ou uma parada cardiorrespiratória, da tristeza profunda ao ouvir da equipe médica o quanto o quadro de nosso filho exige cuidados intensivos, da imensurável dor ao percebemos um quadro de ‘piora’ e/ou um quadro que não tem evoluções diárias, do sofrimento ao sermos informados das possíveis sequelas que os nossos filhos podem apresentar- sequelas motoras, sensoriais e/ou cognitivas-, das milhares de noites que passamos em claro e com medo de ligar para a UTI e recebermos uma notícia ruim, das horas e horas que passamos orando e pedindo a misericórdia divina, dos diversos momentos em que ‘perdemos’ a esperança e pensamos negativamente, de várias situações em que perdemos a confiança na equipe da UTI, dos choros diante das despedidas de nossos filhos no turno da noite e, entre outras experiências que são características de pais de UTI Neonatal. Todos esses exemplos que citei acima e que todos os pais de prematuros extremos passam em maior ou menor grau expressam, sim, o quanto a paternidade e a maternidade são exercidas diariamente, mesmo que os nossos bebês não estejam 24 horas com os pais e em casa. E o quanto todo o sofrimento sentido é capaz de amadurecer os papéis e as funções de uma mãe e de um pai. Aprendemos que o amor pelos nossos filhos e pelo nosso parceiro pode se transformar diante das tristezas e das dificuldades. Parece que o amor se torna mais humano, mais real e mais concreto, pois simplesmente amamos, independente do quadro crônico do nosso bebê, das possíveis sequelas e da exaustão física e emocional que se instala em nossa família. Por isso, acredito que a experiência de amar um filho que nasce no limite entre a vida e a morte nos transforma em pessoas mais humanas, mais confiantes, mais solidárias e mais afetivas, portanto, nos transformam em verdadeiros amantes por cada delicadeza e cada sutileza que a vida nos apresenta. São tantas dificuldades, tantos sofrimentos e tantas angústias sentidas que passamos a admirar a vida e as pequenas conquistas de uma outra forma e com uma outra qualidade”.

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