Distanciamento social aumenta depressão pós-parto? “Rede de apoio não está acontecendo”, diz especialista

“Estou me mantendo forte, pois quero ajudar outras mulheres”, diz Anna, mãe de gêmeas de 6 meses que luta contra a depressão. Será que a medida de distanciamento social pode agravar o problema? Veja o que dizem especialistas

Anna com suas gêmeas que nasceram há 6 meses (Foto: Arquivo pessoal)
Foto da Revista Crescer

Seis meses após o parto, a empreendedora pernambucana Anna Carla Medeiros dos Santos, 22 anos, que mora em São Paulo, diz que ainda está se recuperando da depressão. “Ainda estou passando por esse processo. Já estive bem pior, mas eu diria que estou quase 80%”, avisa. Mesmo durante a quarentena, por conta da pandemia mundial de coronavírus, ela conta que tem se mantido firme e focada, tanto no trabalho (em home office) quanto nos cuidados com suas gêmeas. “Hoje, eu estou me mantendo forte, pois quero ajudar outras mulheres”, diz.

Em entrevista a CRESCER, ela conta que a depressão chegou ainda na gravidez. “Estudei em escola pública e sempre fui dedicada aos estudos. Aos 17, ganhei uma bolsa para uma universidade particular. Em paralelo, comecei meu primeiro emprego, com carteira assinada, em uma grande empresa. Após quase dois anos, resolvi participar do processo seletivo de outra empresa e consegui uma das vagas que concorri com quase 4 mil inscritos. No entanto, no ano passado, logo depois de ser contratada, descobri que estava grávida de gêmeos”, conta.

Conciliar a carreira com os estudos e a gestação foi um desafio. “Logo no início da gravidez, meu médico deixou claro que seria uma gestação de risco e que conciliar tudo seria complicado. A depressão pré-parto já demonstrava seu impacto desde o começo. Eu me sentia triste, sozinha, sem ninguém para recorrer, insegura e com medo do que estaria por vir. Me esforcei ao máximo, mas não teve jeito! Aos 4 meses de gestação, tive que me afastar do trabalho, pois não podia fazer esforço. Minhas filhas nasceram com 35 semanas e ficaram 26 dias na UTI. Não tive resguardo, estava todos os dias, o dia inteiro no hospital. A depressão, então, se estendeu para o pós-parto, agravando ainda mais meu estado emocional. Em meio a tudo isso, desenvolvi crise de pânico e acabei me distanciando de parentes e familiares”, lembra.

A situação só começou a mudar quando ela passou a buscar informações sobre feminismo e maternidade. “Passei a frequentar palestras e decidiu ajudar outras mulheres com a minha experiência. Ao contar minha história, fui convidada para ser palestrante em uma instituição. Paralelo a isso, meu marido e eu criamos um aplicativo para organizar chás de bebês. Até o momento já contabilizamos mais de 5 mil downloads e sabemos que este é só começo”, comentou, inspirada. “Acredito que o que me ajudou a começar a superar a depressão foi ser ouvida. Muitas pessoas ainda acham que depressão é frescura, invenção da cabeça, mas quando elas entendem que é sério, nos sentimos mais compreendedidas”, afirmou. 

Anna em home office com uma das filhas (Foto: Arquivo pessoal)
Foto Revista Crescer

DEPRESSÃO x QUARENTENA

Anna sabe da importância do distanciamento social para ajudar a conter a pandemia de coronavírus, mas não esconde a preocupação. “Pela minha experiência, com certeza a depressão pode se agravar com a quarentena. Dar uma volta na rua, ter contato com a natureza e com outras pessoas são coisas que ajudam muito. Ficar trancada em casa e não conseguir achar uma tarefa prazerosa pode piorar o quadro. Agora, infelizmente, todas as pessoas, mesmo as que não sofrem com depressão, estão tendo a possibilidade de experimentar esse sentimento de isolamento”, afirma.

Segundo o psicólogo e psicanalista Ronaldo Coelho, de São Paulo, a depressão pode acometer a mulher em qualquer fase da vida. No entanto, ele explica que no pós-parto, acontece uma mudança hormonal muito intensa que provoca uma transformação abrupta de todo o funcionamento do corpo da mulher. “Cerca de 80% das mulheres sentem uma intensa tristeza após o parto, que pode durar até três semanas. Na maioria dos casos, essa tristeza passa e o corpo se reorganiza sem a necessidade de qualquer tipo de tratamento. A prevalência da depressão pós-parto é de 10% a 15% das mulheres. Neste caso não há apenas a tristeza, mas também uma perda de interesse geral pelas coisas e pela vida que vai se agravando com o tempo”, afirma.

Ronaldo afirma que sim, o isolamento pode, sim, agravar o quadro. “Nós estamos vivendo um tempo de anomia, onde a ordem social anterior não se sustenta e não mais se sustentará. É um luto que todos nós teremos que passar como sociedade. Não voltaremos a ter a mesma vida que tínhamos em fevereiro, e isso é um fato. O mundo não voltará a ser exatamente o que era. O luto tem características semelhantes à da depressão. Contudo, um luto saudável é aquele que pode ser elaborado de maneira que possamos reimprimir o sentido da vida e nos abrir novamente para o novo. O luto patológico pode se transformar em depressão. Do mesmo modo, uma depressão pré-existente pode dificultar o processo de luto e as coisas se somarem”, diz.

Ele e a enfermeira obstetra Cinthia Calsinski, da UNIFESP, responderam algumas perguntas da CRESCER sobre como as puérperas podem ser ajudadas durante esse período de isolamento social.

C: O pós-parto tem sido mais difícil com o isolamento?
Cinthia: É fato que a rede de apoio sobre a qual tanto falamos, e sem dúvida importantíssima no puerpério, não está acontecendo. As avós que, com tanto amor e carinho, cuidam e apoiam suas filhas e netos fazem parte do grupo de risco. As mulheres estão sobrecarregadas com seus bebês, filhos mais velhos, almoços e jantares e casa para cuidar.  Com tudo isso, o tempo para si que já era escasso, praticamente inexiste.

C: O que as mulheres relatam?
Cinthia: Elas estão muito fragilizadas, se sentem sozinhas, perdidas e com muitas dúvidas. A troca de experiências faz parte da maternagem: o olhar do outro sobre o que eu vivo, como duas pessoas enxergam a mesma situação. Porém, elas estão muito sozinhas. Mas acredito que tudo pode ser encarado com uma lente do bem, para se tirar o melhor de cada situação. Então confesso que estou observando mulheres mais conectadas com seus bebês, mais confiantes de suas percepções e instintos maternos, que dão menos ouvido as opiniões alheias e acho isso muito bom para ambos: mãe e bebê! Temos também um pai que está em casa e tem dado mais suporte pra essa mãe. São famílias se transformando rapidamente, vivendo intensamente o puerpério, e isso é lindo.

C: O que têm sido mais eficaz para ajudá-las?
Cinthia: A tecnologia! Já pensou se esse acontecimento fosse há 20 anos atrás? Hoje conseguimos conversar olhando para pessoa. Tenho realizado consultorias de amamentação à distância e percebo que através da tecnologia também conseguimos corrigir a pega do bebê. Mas é ela, a mãe, que de fato resolve a questão com as orientações. Estamos vivendo uma época desafiadora em vários sentidos e estamos precisando nos reinventar! Com certeza sairemos dessa em breve, melhores e mais fortalecidos!

C: Quando elas devem procurar ajuda?
Ronaldo: Deve-se procurar ajuda quando se percebe que após três semanas, a tristeza continua a aumentar e o desinteresse pelas coisas e pela vida continua a diminuir. Quando falamos de desinteresse, não é pelas coisas ruins, mas, sim, pelas coisas que antes davam prazer. O problema da depressão não é exatamente suas consequências, mas a sua causa. Quando a vida perde o sentido, esse é o grande problema a ser tratado o mais urgente possível. Uma vida sem sentido é uma vida que não vale a pena ser vivida e, sendo assim, podemos imaginar tudo o que pode se decorrer. Uma pessoa que está em depressão deve estar em tratamento. O tratamento para depressão é psicoterapia e, quando necessário, tratamento medicamentoso a base de antidepressivos. Muitas pessoas fazem apenas o tratamento medicamentoso e, assim, cuidam de forma precária de sua saúde mental. É pela psicoterapia que será possível se compreender onde foi que o sentido da vida se perdeu e como é possível fazer para resgatá-lo, ou reconstruí-lo. A família pode ajudar e muito se consegue reconhecer a legitimidade do sofrimento e a necessidade de cuidado especializado.

Link para a matéria: https://revistacrescer.globo.com/Gravidez/Pos-parto/noticia/2020/04/distanciamento-social-aumenta-depressao-pos-parto-rede-de-apoio-nao-esta-acontecendo-diz-especialista.html

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