Olá a todos! Segue um texto sobre o desfralde e que foi publicado em 2019 por Teresa Ruas em um material destinado aos pais de prematuros. Ao longo, do texto fomos fazendo algumas reflexões importantes para o momento no qual estamos vivendo com o Covid19 Com afeto, equipe prematuros.com.br e @prematurosbr
O desfralde e os seus desafios
Especialmente nos primeiros dois anos de vida, a criança passa por etapas progressivas de crescimento e desenvolvimento que não acontecem de forma linear e tão pouco com um ritmo regular. Ou seja, alguns marcos do desenvolvimento podem acontecer de forma mais rápida e outros dependerem de um maior tempo de experiência para a sua aquisição.
O desfralde, diante de um consenso de vários estudos, é uma etapa do desenvolvimento que requer tempo de experiência e prontidão pela criança. Isso quer dizer que, além da criança ter que demonstrar um adequado desenvolvimento e maturação dos esfíncteres e de estruturas neurológicas responsáveis pelos sistemas urinário e intestinal, necessita ter uma consciência de si e de seu corpo para compreender o significado cultural e social em relação ao hábito de ir ao banheiro para realizar uma atividade de vida diária. (parada para uma reflexão em tempos de isolamento social: para algumas famílias esse tempo pode estar sendo muito importante para gerar experiências para a criança desfraldar e com mais tranquilidade e, sem tanta pressão da escola. Já pensaram sobre isso?)
Por isso mesmo, essa etapa oferece tantos desafios e dúvidas para os pais e educadores.
Afinal de contas, o desfralde não depende apenas de uma maturação neurofisiológica, mas também de comportamentos emocionais, cognitivos e culturais expressos pela criança em seu núcleo familiar e contexto social.
Portanto, por mais que os estudos apontem que o início do desfralde pode começar entre os 18 a 24 meses de idade, diante de sinais de maturação fisiológica dos esfíncteres urinário e intestinal, o início dessa habilidade de autocuidado somente pode acontecer se, realmente, a criança demonstrar sinais de interesse e compreensão das etapas envolvidas nesse processo. Exatamente por ser uma atividade diária que depende do entendimento emocional e cognitivo da criança é que muitas famílias começam o treino para o desfralde diurno perto dos 3 anos de idade.
É consenso entre os estudos, pediatras e especialistas em desenvolvimento infantil que mais do que a atenção para a idade ¨marco¨ para o início do desfralde, os pais devem observar e verificar sinais indicativos de que a criança apresenta prontidão para vivenciar essa aquisição tão importante para a sua independência e bem estar social e emocional. (outra pausa para reflexão: as vezes na correria do nosso dia a dia, não conseguimos prestar atenção em algumas minúcias/ detalhes do comportamento que nossos filhos nos apresentam e, frequentemente, acabamos ¨cumprindo¨ o que a escolinha nos pede, sem de fato, perceber algumas peculiaridades das respostas de nossos filhos. Isso aconteceu comigo com o meu segundo filho na primeira tentativa do desfralde. A escola dizia sobre a maturidade fisiológica que o Lucca já tinha adquirido e eu, em um final de semana, brincando muito com ele, percebi o quanto ele ainda não tinha adquirido a maturidade emocional para esse marco tão importante para as crianças e suas famílias. Portanto, podemos aproveitar esse momento de isolamento social para olharmos com muita atenção e carinho para as habilidades e dificuldades de nossos pequenos.)
Porém, dentre alguns sinais importantes, os estudos apontam para verificar se a criança já é capaz de:
- andar com mais independência, demonstrando maior equilíbrio e controle dos movimentos das pernas e pés,
- permanecer seca por mais ou menos 2 horas ou mais,
- demonstrar incômodo e/ou irritação quando está com a fralda suja,
- observar, compreender e se interessar pelos hábitos e rotinas de higiene pessoal,
- permanecer sentada por alguns minutos com o tronco ereto e os pés apoiados no chão,
- compreender pedidos e instruções simples dados pelos pais ou cuidadores,
- entender o significado das palavras xixi e cocô, sendo essas palavras familiar à criança,
- identificar o pinico ou o vaso sanitário com redutor como os locais corretos para fazer o xixi e o cocô,
- compreender os sinais fisiológicos do corpo para o momento do xixi e cocô, dando sinais de que está com vontade de ir ao banheiro,
- tirar alguma peça de roupa simples com ou sem ajuda
- falar algumas palavras que contextualizam o desfralde
Apesar da existência dessa lista de sinais importantes para o início do desfralde, a criança não precisa demonstrar todos eles. Como já pontuado em parágrafos supracitados, um dos fatores mais importantes a serem observados pelos pais e especialistas é verificar o desejo, o interesse e o nível de compreensão da criança diante do contexto de atividades de autocuidado. Especialmente para as crianças que apresentam alguma alteração neurológica e/ ou comportamental, decorrente da prematuridade, deficiência ou transtorno, esse aspecto é o mais importante.
Além disso, é possível verificar que iniciar o treinamento precocemente não está relacionado a um controle mais precoce dos esfíncteres e, sim, a uma maior duração desse treinamento, com idade final de aquisição do desfralde muito semelhante ao das crianças que começaram essa etapa somente após darem mais sinais de prontidão fisiológica, cognitiva e emocional. Somado a isso, os pediatras observam na prática clínica que iniciar o desfralde sem a devida maturação da criança pode provocar outros problemas como, por exemplo, a constipação, a recusa em ir ao banheiro e as infecções urinárias por repetição. Sendo que a prematuridade em crianças que nasceram com o peso adequado para a idade gestacional e que não tiveram nenhuma sequela neurológica não se configura como um fator de risco causador de atrasos para o início do desfralde, tampouco como uma condição que demanda mais tempo para a aquisição da independência da criança em usar o banheiro.
Outro fator muito importante e que pode retardar o treinamento é a falta de uma postura correta no momento da eliminação. Sabe-se que a postura adequada no vaso sanitário é um fator importante para o adequado relaxamento perineal. O pinico é um recurso que pode ser usado no começo do treinamento, antes de fazer a transição para o vaso sanitário, justamente por permitir uma adequada postura de tronco, com os pés apoiados no chão, facilitando ainda mais o relaxamento de todo o períneo. E o assento redutor deve ser utilizado no momento em que a criança for para o vaso sanitário para possibilitar uma postura mais adequada.
Os pais precisam estar cientes de que os “escapes” acontecerão, por mais que os nossos sofás fiquem sujos, sujos… Isto é extremamente normal, esperado e a criança não deve ser penalizada ou castigada por isso. Caso a criança ainda não se sinta a vontade em ir ao banheiro, permanecer no pinico e/ou no vaso sanitário com o redutor, os pais não devem força-la ou penaliza-la. Esses comportamentos podem ser grandes indicativos de que o desfralde pode recomeçar em um outro momento da vida da criança.
Levar a criança para ver a mamãe e o papai fazer xixi é uma forma de auxiliá-la a ter maior familiaridade com todo esse contexto. Afinal de contas, um dos meios mais eficazes para a aprendizagem infantil é a imitação dos comportamentos observados. Livros infantis, ilustrações e brinquedos prediletos podem ajudar neste processo. É importante lembrar que a rotina de horários para ir ao banheiro pode ser muito maçante e penoso para algumas crianças, sendo necessário o uso de recursos lúdicos durante todo o processo. Ganhar e usar calcinhas e cuecas com os personagens prediletos podem ser um fator a mais para motivarem as crianças nessa etapa de aprendizado e aquisição de independência, além é claro de todos os relatos dos papais que expressam um grande orgulho de seus filhos por estarem se desfraldando. (pausa para a reflexão: podemos aproveitar esse momento de isolamento social e entrarmos de cabeça no aspecto lúdico que o desfralde pode proporcionar aos nossos pequenos. Já pensaram nisso?)
O desfralde noturno deve ocorrer após o término do desfralde diurno e também deve seguir importantes sinais da criança, como: acordar seca e fazer um grande volume de xixi ao acordar, pedir para não usar mais a fralda noturna e/ou se sentir incomodada com ela durante a noite, acordar no meio da madrugada e pedir para ir ao banheiro e demonstrar sinais de independência, como saber tirar e colocar a calça sozinha. E caso, a criança nesse processo, tenha escapes de xixi e cocô na cama, a orientação sobre castigos e penalizações é a mesma do que foi relatado ao longo desse texto. 3,4,5 Demonstrar afeto, compreensão, respeito e orgulho pelos filhos é o caminho mais potente para qualquer aquisição importante no desenvolvimento infantil.
E de acordo com a minha experiência profissional, verifico que caso a criança esteja vivenciando uma mudança brusca de rotina, como a entrada na escola, chegada de irmão mais novo, gravidez da mãe, mudança de casa e/ou outros fatores, o recomendado é adiar o desfralde e esperar que a criança, primeiro, assimile emocionalmente todas as mudanças provindas de seu contexto, para depois desfraldá-la. (pausa para reflexão: muitas crianças podem estar sofrendo com toda essa mudança de rotina e de nosso cotidiano. Muitas podem ter demonstrado comportamentos que já não faziam mais ou outras ¨perdido¨alguns comportamentos que já tinham adquirido. Isso pode acontecer com muitas crianças. Portanto, se você está enfrentando essa realidade, é importante que você dê tempo ao seu filho para que ele assimile toda essa mudança de rotina e ele possa observar, no ritmo dele, todas as possibilidades de ação que ele pode ter em sua casa: banheiro, cozinha, quarto, sala e assim, por diante e, lógico, uma ação com os seus brinquedos, objetos preferidos, com os irmãos e pais.)
Com afeto, Teresa Ruas e Equipe prematuros.com.br