O lado bom da UTI Neonatal

Mesmo em momentos difíceis conseguimos encontrar coisas boas

Pais de bebês de alto risco, incluindo os dos prematuros, cardiopatas e entre tantos outros fatores pelos quais necessitam passar por longos períodos de internação hospitalar, juntamente com os seus filhos, não somente carregam consigo as marcas dos traumas, tristezas, medos e angústias sentidas em um contexto de UTI Neonatal e/ ou Pediátrica. Como mãe de UTI e também de longa internação, posso afirmar que, por mais que sejam inevitáveis as marcas eternas em nossos corações e almas diante de tantas incertezas e dúvidas frente à valente batalha e travada entre o limite da vida e da morte de nossos guerreiros, existem também as marcas positivas, afetivas e transformadoras que um contexto hospitalar pode nos oferecer.

Diante da minha profissão e da minha experiência como mãe de dois prematuros, tenho a honra de conhecer muitas famílias que enfrentaram e enfrentam o nascimento de um bebê de alto risco e que passaram ou que estão passando, nesse exato momento, por um período de longa internação. E, curiosamente, um fato muito feliz, exatamente sobre esse aspecto que acabei de citar, ocorreu comigo durante essas duas últimas semanas. Eu tive a oportunidade de relembrar afetos e marcas positivas deixadas por um contexto hospitalar com outras duas mães de prematuros e, também, de longa internação hospitalar.

Uma dessas mães é a Andréia Vasconcelos – mãe de Maria Carmen/Cacá, nascida de 27 semanas gestacionais e 530g e 1 ano e 6 meses entre UTI Neo e Pediátrica-. A outra é a Érica Baumgarten – mãe de Lucca Baumgarten, nascido de 29 semanas e 6 dias, com 895g  e 1 ano entre UTI Neo e Pediátrica.

O fato é que quando nós 3 nos reencontramos diante de nossas ações pela causa que afetou e afeta as nossas vidas, desde o nascimento de nossos prematuros, desejávamos falar em nossas ligações e mensagens não somente de nossos traumas de UTI, mas de tudo que havia sido aprendido, modificado e elaborado durante toda a nossa trajetória hospitalar… o quanto cada uma de nós tínhamos nos transformado em pessoas mais humanas, mais pacientes, mais cautelosas e mais afetivas com o outro, com nossos familiares e amigos…

Um dos pontos chaves de nossa conversa – e que desejo que toda família prematura também possa viver esse aspecto – foram as recordações positivas de uma UTI, tais como: as festinhas e os cartãozinhos de mesversário que a equipe preparava para nós e que estão todos guardados até hoje conosco; as cartinhas de amor escritas por nós, pais e familiares, durante todo o período de internação de nossos filhos e que hoje são lidas para eles e com eles; as caixinhas de recordações entregues pelo hospital com o primeiro lacinho colocado, com a primeira fraldinha de boca, com a primeira chupeta, com o carimbo do pesinho, entre outras recordações; os atos de carinho e amor que as enfermeiras-mães tinham com os nossos bebês; os profissionais que fizeram total diferença no tratamento e acompanhamento de nossos filhos; o momento em que tínhamos os nossos filhos em nossos braços; as lembranças que nós, pais, fazíamos todo mês e/ou em datas especiais para entregarmos para a equipe, como uma simples expressão de gratidão – chocolates, bolos, canecas – e, sobre a rede de apoio que formávamos uns com os outros naquele ambiente.    

Porque um dos aspectos que mais fortalece qualquer pai de UTI Neonatal/Pediátrica é, justamente, receber o apoio e o carinho de uma equipe hospitalar e poder contar com o acolhimento de outros pais que vivenciam/vivenciaram realidades muito semelhantes ao que cada um experimenta naquele exato momento de vida.

Saber que existem realidades semelhantes a sua é uma forma muito concreta de suporte afetivo e de fortalecimento interno, pois não nos sentimos sozinhos e solitários. Ao contrário, encontramos mães e pais que passam pelas mesmas dificuldades, instabilidades, procedimentos cirúrgicos, procedimentos invasivos, fases e etapas que os nossos filhos também passarão ou que já tenham passado. Esse encontro com a realidade de outros pais nos traz calma, confiança, esperança e aumenta a nossa certeza de que é possível e, muito possível, vencer os desafios impostos pela prematuridade e/ou outras condições de risco.

O abraço, o olhar, o colo, as palavras, os conselhos e as orientações de pais de UTI ganham um outro poder e significado. As palavras parecem soar mais reais; o olhar parece expressar mais verdade; o abraço expressa uma outra sensibilidade e os conselhos/orientações não são dados apenas segundo as frequências probabilísticas da ciência/neonatologia/pediatria, mas, também, segundo a força do afeto, da esperança e da fé.

Pais de longa permanência, como eu, Andréia Vasconcelos, Érica Baumgarten, Carlas, Gabrielas, Joanas, Letícias, Luthieles, Arienes, Marias, Caróis, Carlos, Eduardos, Marcéis, Felipes, Olívias, entre tantos outros pais e mães… aprendem a transformar cada encontro de acolhimento em verdadeiras experiências, capazes de regenerar todas as nossas esperanças e forças. São tão intensos e verdadeiros os acolhimentos que recebemos, que depois aprendemos a dar também e a realizar projetos que, realmente, priorizam o acolhimento a famílias prematuras e/ou com bebês de alto risco. 

São projetos sobre as cartas de amor aos nossos filhos; caixinhas de recordações; fotos e vídeos de todo o período de internação; instagrans e sites para relatos de experiência e, o mais importante: relações de amizade e de afetos entre os pais de UTI/ profissionais da saúde e que ficarão para sempre em nossas vidas. Para sempre? Sim, para sempre! Porque são pessoas que nos marcam mesmo. Choram com a gente, rezam pelos nossos filhos, acompanham os procedimentos cirúrgicos, se alegram com as conquistas e nos acolhem em qualquer lugar, como, por exemplo, no estacionamento do hospital.

São eternos porque nos tornamos uma família, não diante dos laços sanguíneos, mas diante de laços afetivos.

Atualmente, muitas famílias de UTI tentam se colocar a disposição de outras que estejam passando pela mesma experiência, ainda mais em tempos de COVID-19.  São várias ações distribuídas por sites, instagrans, Ongs… afinal de contas, estamos em uma grande rede em prol do outro, especialmente quando esse outro também passará pelas consequências a curto e a longo prazo da prematuridade, não é mesmo: @prematurosbr e www.prematuros.com.br, fundados por mim, juntamente com Ana Luiza Andreotti, em prol do acolhimento e conhecimentos científicos sobre a prematuridade; @andréiavasconcelos e seu projeto sobre as cartas de amor; @myluccastory e toda a sua jornada com a prematuridade; @draanapaulaalves com as caixinhas de recordações; @prematuros_pelo_mundo, com toda a sua força de contar o que é viver a prematuridade e a perda neonatal em outro país; @draalinemenezespediatra com as suas ações de humanização; @prematuridade.com e suas ações políticas e sociais em torno da prematuridade; @mamaegirafa e uma enfermeira apaixonada pelos seus guerreiros; @mundoadaptado e toda a sua luta pela inclusão; entre tantos outros. Porque em rede somos muito mais fortes para mostrar que o afeto e a humanização podem curar, vencer e/ ou acalentar qualquer dor.

Gratidão a todos os pais que estou conhecendo por meio do @prematurosbr e venho homenageá-los por meio de Anna Vitória, uma prematura extrema, como a minha filha, que lutou bravamente pela vida e que ainda segue em UTI Neonatal.  E não posso deixar de pontuar aqui a minha admiração e reconhecimento por toda família de bebê-anjo. Saibam que vocês sempre serão pais de seus bebês e estarão para sempre conectados a eles pelo amor entre a Terra e o Céu.

Um grande abraço e com muito afeto Teresa Ruas e toda a rede de apoio já construída até aqui. Juntos somos muito mais fortes!

Teresa Ruas é terapeuta ocupacional infantil, mãe de 2 prematuros, escritora e organizadora do livro Prematuridade Extrema: olhares e experiências, fundadora e coordenadora do prematuros.com.br e @prematurosbr e integrante voluntária da ONG Prematuridade.com

https://revistacrescer.globo.com/Colunistas/Teresa-Ruas-Vida-de-Prematuro/noticia/2020/06/o-lado-bom-da-uti-neonatal.html

Compartilhar:

Deixe um comentário