“Precisamos compreender que um toque protetivo, uma voz parental, uma canção emanada por um pai, um choro de alegria ao encontrar o seu prematuro bem podem, sim, gerar muita saúde, bem-estar, equilibro e vida para todos os envolvidos”, afirma a colunista da CRESCER
Essa narrativa — repleta de fontes subjetivas que são fruto da minha própria história profissional e pessoal, porém todas embasadas pela ciência atual —, é destinada à campanha Março Lilás – Atenção ao Cuidado do Bebê Prematuro, lançada pela Sociedade de Pediatria de São Paulo (SPSP) desde 2017.
Sabemos o quanto a prematuridade continua sendo um importante problema de saúde mundial e pública em nosso país, sendo ainda umas das principais causas de mortalidade infantil no Brasil, ao lado das malformações congênitas e das doenças infecciosas. O trabalho da Ong Prematuridade.com, fundada por Denise Suguitani, trabalha arduamente em prol da prevenção do parto prematuro, especialmente entre adolescentes, tentando conscientizar nossa população sobre essa realidade.
O projeto social @prematurosbr fundado por mim, Teresa Ruas, luta diariamente para que a sociedade como um todo, alunos da área da saúde — especialmente futuros pediatras, neonatologistas do Idomed Cittá Rio de Janeiro — ligas da saúde, equipes interprofissionais e pais de bebês prematuros compreendam não somente na teoria, mas também na prática que a prematuridade é uma realidade multifatorial, que sofre interferências diretas dos determinantes sociais e que não se finaliza com a alta hospitalar.
Pelos meus poucos (mas significativos) exemplos supracitados em prol da causa da prematuridade, suas famílias e equipes, carrego uma gratidão imensa em meu coração por tantas mudanças que já conseguimos para essa população e toda a realidade envolvida, desde que a gestante é considerada de risco até a alta hospitalar do prematuro, com o seguimento adequado do crescimento, desenvolvimento e aprendizagem, ao menos durante os primeiros anos de vida do prematuro.
Sabemos o quanto ainda temos que alcançar, especialmente em relação às diferentes condutas e realidades nos serviços de saúde e UTIs Neonatais espalhados em nosso país. Porém, eu jamais imaginaria há alguns anos, especialmente quando comecei toda a minha jornada como profissional de saúde, muito antes de ser mãe de dois prematuros, que escreveria um texto em prol do Mês Lilás, relatando que o cuidado parental, a presença dos pais em todos os momentos da internação, a atenção centrada na família prematura, o contato pele a pele, as etapas do Método Canguru, a voz dos pais, o cheiro dos pais, o toque de suas mãos, as cantigas cantaroladas em uma UTI Neonatal, as orações tecidas ao pé de cada crença individual de todo pai prematuro, o movimento da humanização e o amor de todos os envolvidos no contexto da prematuridade fossem ser CIÊNCIA!
Acreditem! Ao escrever esse parágrafo, várias lágrimas rolaram em minha face! Ouvi, certa vez de uma grande profissional na área da neonatologia e desenvolvimento infantil: ”Teresa, você é muito sonhadora e idealista. O amor e afeto nunca serão ciência.” Afirmo para vocês que mesmo trilhando o caminho da Humanização, desde o meu comecinho profissional, muitas vezes calei a voz da força do amor e trilhei na direção dos protocolos clínicos. Calei a força do amor em prol dos protocolos de uma UTI Neonatal ao ter medo de colocar um prematuro grave no colo do seus pais, seres que desejavam somente sentir a fonte de amor mais profunda em seus braços, corpos e almas. Esse mesmo prematuro, o qual carrego para sempre dentro de mim, não conseguiu sobreviver. Quando fui oferecer o colo de seus pais, eles não quiseram, pois queriam ter sentido a fonte do amor, quentinha e não fria. Errei muito, muito. É válido ressaltar que o colo deve ser, sim, seguro para o prematuro grave, mas nem toda instabilidade clínica é impeditiva para o colo. Equipes humanizadas e responsáveis sabem disso!
E tenho certeza de que se eu não tivesse me tornado uma mãe prematura por duas vezes, o meu desejo de mostrar e afirmar para TODOS que a Ciência precisa ser embasada, calcada e construída diante da afetividade e espiritualidade, não somente diante das probabilidades cientificas, iria ser muito mais abalado. Não vivemos sem a Ciência, mas temos o dever, como profissionais de saúde, de tentar ressignifica- lá em nossa prática e conduta diárias. Para atuar com a população prematura é preciso uma conduta humanizada e acreditar o quanto já estamos em uma era em que o amor está com status científico.
Quando o amor se cientifica, quer dizer que todos os profissionais de saúde devem olhar os aspectos fisiológicos, biológicos, humanos e afetivos envolvidos na prematuridade com a mesma importância e integridade. Claro que sempre temos e vamos seguir prioridades em prol da garantia da vida. Precisamos seguir protocolos, rotina hospitalar, prioridades, mas também precisamos compreender que um toque protetivo, uma voz parental, uma canção emanada por um pai, um choro de alegria ao encontrar o seu prematuro bem, podem, sim, gerar muita saúde, bem estar, equilibro e vida para todos os envolvidos.
A imensidão da ciência está justamente na possibilidade de podermos integrar todas as partes que compõem o ser humano e, desde o ambiente intrauterino. Aprendi de verdade sobre tudo isso, diante das minhas 9 horas diárias de contato pele a pele com minha prematura extrema de 23 semanas e 1 dia, há 10 anos. Usava fraldas para não ter que se levantar. Naquele momento se eu não acreditasse na força do amor para a promoção da vida da minha filha, na força de Deus, no contato pele a pele, na intensidade do meu toque, na melodia da minha voz, no meu cheiro, na robustez nutricional do meu leite… estaria perdida. As probabilidades científicas não fundamentadas pela afetividade e espiritualidade eram devastadoras…
Temos que acreditar na força do amor! O amor carrega status científico e, assim, vamos transformando as diferentes realidades da assistência ao prematuro nesse nosso país extenso e tão diverso.
Gratidão a todos prematuros, colegas de trabalho, famílias e equipes interprofissionais. Estamos em uma fase viva e em prol da humanização e amor. Acreditem! Temos um motivo nobre para acreditar: nossos prematuros, suas famílias e equipes, Teresa Ruas.