A Birra e o Desenvolvimento Infantil

A literatura sobre o desenvolvimento nos primeiros anos de vida verifica o quanto a birra é um dos comportamentos mais frequentes no dia a dia de crianças pequenas, sobretudo naquelas com idades compreendidas entre os dezoito e os quarenta e oito meses, com maior incidência entre os dois e os três anos de idade. Basta pensarmos quantas cenas e situações  nós, pais, já enfrentamos com os nossos pequenos, não é mesmo? No parque, supermercado, na hora da comida, em festinhas, na casa dos avós, antes de dormir, no meio da rua… e por ai vão os infinitos contextos em que tivemos que lidar com as tão famosas birras. 

 A criança a partir de seus 2 anos de idade começa a expressar uma outra qualidade de autonomia e independência, especialmente relacionada às atividades de vida diária, ao brincar e às novas habilidades adquiridas. Se no primeiro ano de vida, essa mesma criança ainda dependia de um adulto, por exemplo, para levá-la de um lugar a outro, com 2 anos, para muitos de nossos pequenos, já conseguem caminhar e chegar em diversos ambientes sozinhos.  Na ótica do desenvolvimento infantil, esse ganho de independência, autonomia e regido de de acordo com os desejos, possibilidades, novas habilidades apresentadas, um brincar com outros elementos, faz com que a criança se veja como um ser totalmente ativo  e que deseja alcançar e manter todas as suas vontades, o tempo todo.

E em contrapartida a essa intensidade emocional de desejar alcançar tudo o que almeja, uma criança nos seus primeiros anos de vida, ainda não adquiriu:

  • o desenvolvimento das áreas do cérebro responsáveis por controlar as emoções,
  • a maturidade emocional para se colocar no lugar do outro,
  •  mecanismos psicológicos para lidar com a frustração ou com o imprevisto,
  • capacidade para perceber o futuro e adiar as suas vontades,
  • uma linguagem verbal desenvolvida para elaborar um diálogo,
  • competências emocionais para resolver problemas e
  • compreensão das regras, normas e limites sociais.

Portanto, um simples “não” e/ou uma pequena frustração pode desencadear um episódio de birra, sendo caracterizado por um choro descontrolado, gritos, pontapés, rigidez ou extensão dos membros e do tronco. Algumas crianças podem até bater nos outros, bater com a cabeça no chão ou nas paredes, morder-se, atirar-se no chão, espernear, fugir, atirar objetos, suspender a respiração ou desencadear o vômito.Respostas intensas, mas muito verdadeiras, nas quais a criança demonstra o quanto está sendo difícil para ela, emocionalmente e cognitivamente, lidar com simples frustrações e imprevistos.

A boa notícia é que estes comportamentos e que deixam os pais e os principais cuidadores à flor da pele, não são motivos de alarme ou de grandes preocupações, apesar de ser muito desagradável ver um filho em um cenário clássico de birra.É importante lembrar que as birras são formas de expressão das emoções e sentimentos, provenientes de um cérebro em desenvolvimento e de uma capacidade psicoafetiva ainda muito imatura.  Por outro lado, os estudos verificam o quanto a birra é também um sinal claro de crescimento psicológico, exatamente por existir uma criança que expressa saber o que deseja, mesmo diante de sua imaturidade emocional.Portanto, ao contrário do que muitos pais pensam, o sinal de alarme, especialmente nos três primeiros anos de vida, deve ocorrer diante de um cenário de ausência total de birras, pois a falta das mesmas pode ser um indicativo de dificuldades no desenvolvimento da subjetividade infantil. Você sabia disso?

A criança, ao longo do seu desenvolvimento e por meio de limites e regras que os pais e o contexto social oferecem a ela diariamente, vai aos poucos compreendendo que as suas vontades não, necessariamente, irão ocorrer da forma e no tempo desejado. Aos poucos, passa a tolerar melhor as frustrações, os imprevistos e a perceber o quanto é necessário obedecer e seguir regras e normas que fazem parte do seu dia a dia. Portanto, é importante compreender a birra como uma ocorrência normativa e que faz parte de todo processo de desenvolvimento infantil nos primeiros anos de vida, que irá desaparecer com o tempo, justamente diante de uma inter-relação entre uma maior maturidade neurológica e emocional da criança e a experiência diária da mesma com os limites e normas que os pais e o contexto social oferecem à ela em suas relações socais e ambiente.

Outro sinal de alerta entra aqui também, caso a criança esteja crescendo e não demonstrando uma maior maturidade emocional, diante da diminuição da frequência e qualidade das birras, expressando alguns problemas de comportamento, dificuldades para dormir, ansiedade, agressividade, impulsividade, dificuldades na socialização e problemas de atenção no contexto domiciliar e escolar.  Nesses casos, o pediatra deve ser informado para que o melhor acompanhamento seja destinado a essa criança.    

Já em um cenário com os típicos comportamentos de uma birra, a primeira coisa que os pais devem fazer é respirar fundo, tentar manter a calma e acreditar no amor, afeto e educação que estão oferecendo aos seus filhos, diariamente. Os estudos verificam que uma vez iniciada a birra, não vale a pena chamar a criança à razão, ou começar a gritar com a mesma demonstrando que ela será castigada ou penalizada por aquele comportamento.O mais aconselhável é que os pais atuem logo no início de um episódio, antes que a criança perca todo o seu equilíbrio emocional, como, por exemplo:  desviando a atenção do filho para uma outra atividade, levando-o para um outro local mais tranquilo, acolhendo-o no colo e demonstrando respeito e afeto a ele.

Basta pensarmos: quando nós, adultos, estamos desorganizados emocionalmente, o que desejamos? Um abraço apertado e acolhedor, ou um grito? Um olhar atento e diretamente aos nossos olhos, ou deixar que nos acalmemos sozinhos e sem ninguém ao nosso lado? Se até mesmo adultos que já possuem um outro desenvolvimento psicoafetivo, necessitam da presença afetiva do outro para dar entorno, significado e atenção, imaginem nossas crianças… deixar uma criança pequena e exausta emocionalmente chorar sozinha e sem a presença física e afetiva de seus pais e/ ou principais cuidadores pode gerar sentimentos  ainda mais difíceis para uma criança pequena, sem contar com a sobrecarga de estresse em seu cérebro e corpo.  Utilizar da força do afeto, de um abraço bem apertado e da relação que os pais têm com os filhos pode minar um possível inicio de birra e/ ou transformar o que seria mais uma birra em um passeio rápido e cheio de novidades para pais e filhos. Acreditar no amor que sentimos pelos nossos filhos é o principal caminho para enfrentarmos as dificuldades diárias de toda e qualquer parentalidade.  

A “prevenção” da birra pode poupar estresse em pais e crianças pequenas . Por isso, é muito importante que os pais verifiquem situações de sono, doença, fome, estímulos ambientais em excesso, cansaço e/ou agitação por parte da criança.  Estas situações são um gatilho para o início de uma clássica e incontrolável birra.  

E diante das birras, nós pais precisamos fazer um grande exercício de autodomínio, sendo necessário, por mais que muito difícil:

  • manter a calma, como afirmado acima,
  • não responder emocionalmente para a criança, com duras palavras, gestos, olhares ou rigidez corporal,
  • acolher a criança em seus braços, com ou sem objetos afetivos, para evitar que o filho se machuque,
  •  levar a criança para um local onde possa dar-lhe apoio e conversar tranquilamente, sem palpites de outras pessoas,
  •  esperar algum tempo até a criança se reorganizar, aclamar e
  •  explicar calmamente que os pais estão esperando que a criança se acalme e, se necessário, até dizer que vão contar até um determinado número, para que até lá tudo esteja resolvido.  

Após diminuir o nervosismo da criança, é o momento certo e o mais eficaz para iniciar o diálogo entre pais e filho. Da mesma forma que é importante entender a frustração da criança e tentar ressignificar os seus sentimentos, é importante também demonstrar o quanto os pais não ficaram satisfeitos com alguns comportamentos. Amar os nossos filhos será para sempre o nosso bem maior, mas para alguns comportamentos podemos mostrar o nosso desagrado. Outra dica é tentar manter uma conversa mais breve e clara com a criança nesses momentos.

Por mais difícil que possa parecer para nós pais, sermos firmes, objetivos e claros… esse é um dos caminhos mais fáceis para se manter um ¨diálogo¨ com uma criança pequena. Como as áreas do cérebro responsáveis por manter a atenção também estão imaturas, conversas longas e com frases extensas não são a melhor estratégia.  

Apesar de alguns pontos expostos e discutidos pela própria literatura em desenvolvimento infantil, infelizmente não existe uma receita infalível para as birras. Tudo depende de como a criança está naquele momento, da sua personalidade, da idade e da própria situação. Existirão momentos com menos frequência de birras e outros com episódios mais intensos e mais frequentes.  Não se incomodar com que as pessoas pensam quando ocorrem as birras em locais públicos é um grande caminho para manter a saúde mental de, nós pais. Comparações com outras crianças e culturas também não precisam ser feitas. Cada família tem a sua conduta, os seus valores e as suas convicções. Pais que ficam comparando os seus filhos com outras crianças tendem a ter mais estresse emocional e menos confiança em seus atos. Portanto, confiar na educação e no amor que estamos dando aos nossos filhos é também essencial para enfrentar essa fase clássica da birra e tão normal em qualquer desenvolvimento infantil.  Por último, nós pais não podemos nos esquecer que o amor pode vencer qualquer dificuldade. O amor acalenta, tranquiliza e transforma. O amor é sem dúvida nem uma o nosso sustento para a educação de nossos filhos, uma  tarefa árdua, penosa, mas extremamente recompensadora e que produz ainda mais afeto e vida nas relações entre pais e filhos.

Um grande abraço, com afeto, Teresa Ruas especialista em desenvolvimento infantil, Dra em Ciências da Saúde, Fundadora da equipe interdisciploinar @prematurosbr, sócia e coordenadora da primeira infância do programa parental @beequaloficial

Link da matéria: https://revistacrescer.globo.com/Colunistas/Teresa-Ruas-Vida-de-Prematuro/noticia/2021/06/teresa-ruas-birra-e-forma-de-expressao-das-emocoes-e-sentimentos-das-criancas.html

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