A paternagem envolve escolhas

Ter um filho é uma experiência que mudará também a vida de todo homem que deseja ser pai

dia dos pais está chegando e, com ele, várias reflexões sobre a paternidade ativa vêm à tona. E quando penso em paternidade ativa e consciente, logo reflito sobre todos os desafios e mudanças em torno do papel/função de um pai, nos diversos núcleos familiares, sobre as quais ainda precisamos dialogar e compreender de forma mais profunda; mas também me indago como eu, uma mulher, mãe e esposa, posso contribuir com o meu marido e com os pais com que convivo para ajudá-los a compreender, de fato, o que significa ser um pai ativo e consciente. Afinal de contas, falar de paternidade ativa e consciente é dialogar também sobre paternagem. É um processo que vai muito além da obrigatoriedade jurídica, do biológico, da validação pelo DNA. A paternagem envolve escolhas, reflexões, presença afetiva e envolvimento ativo na busca pela compreensão do quanto o homem mudará, frente à chegada de um filho.

Às vezes, aquele trabalho de formiguinha pode até nos desanimar diante de tantas transformações e ressignificações que ainda temos que propor em nossa sociedade, com tantas heranças patriarcais e que, diariamente, ainda colocam em disputa o masculino e feminino. Porém, é exatamente o trabalho de formiguinha, feito em nossa própria casa, família, amigos, consultórios, equipes e projetos de onde fazemos parte, que leva a um diálogo mais consciente, ativo e com mais equidade diante dos pais e famílias que nos procuram, mostrando que masculino e feminino se completam/ complementam, gerando, portanto, mais consciência às discussões de gênero e seus papéis na construção familiar.

Atualmente, tenho centrado energia com vários parceiros de trabalho – @inicio_da_vida@nucleopequenostesouros@draanapaulaalves@dra.alinemenezespediatra@prematuros_pelo_mundo@prematuridade.com@mundoadaptado – para discutir o quanto nós também temos uma certa “culpa” e uma certa “colaboração” com os estigmas e desafios que rodeiam o mundo da paternagem.

Por exemplo, em nossas equipes de trabalho em saúde, damos a atenção necessária ao sofrimento psíquico paterno? Conversamos com os recentes pais sobre o que estão sentindo, diante do nascimento de seus filhos, sejam eles de termo, prematuros e/ou com outra condição de alto risco? Geramos informações sobre a existência da depressão pós-parto masculina, do puerpério masculino? Acolhemos as dúvidas, angústias e transformações psíquicas que ocorrem em um recém-pai, desde a descoberta da gravidez até o momento do nascimento de seu filho? As leis permitem que o recém-pai tenha um período maior de licença-paternidade? O ambiente corporativo de trabalho compreende que um pai pode adoecer psiquicamente, após o nascimento de um filho? Esse mesmo ambiente corporativo incentiva e apoia o pai a sair em meio às reuniões para levar um filho ao médico, dentista, ir às reuniões escolares e pegar o filho na escola? Geramos atenção e acompanhamento psíquico para os pais de UTI’s Neonatais e Pediátricas?

Claro que temos que continuar a refletir sobre todos os sentimentos e realidades que podem acometer uma gestante, puérpera e mãe. Sabemos o quanto a nossa sociedade ainda precisa caminhar e, muito, em relação à equidade dos gêneros em diversos aspectos. Porém, acredito que quando falamos de equidade entre mães e pais, também temos que validar os sentimentos e toda mudança que também ocorre na vida deles.

Quando um pai está no cuidado diário de um bebê, por exemplo, ele precisa ser incentivado, auxiliado… Assim, como uma recém-mãe procura auxílio e ajuda com a sua própria mãe, com as amigas; um recém pai também quer ser ajudado, acolhido, acompanhado. Mãe e pai são seres com a mesma essência e necessidade afetiva, apesar das diferenças entre um homem e uma mulher. Um recém-pai e uma recém-mãe, ambos, precisam de auxilio, apoio, incentivo. Sabemos que as mudanças corporais, hormonais e sociais são intensas no corpo e na vida de uma mulher, mas ter um filho é uma experiência que mudará também a vida de todo homem que deseja ser pai, que deseja estar lado a lado de seu filho, que deseja amá-lo de forma intensa e verdadeira. Acredito que a vivência emocional de um pai, diante de todas as mudanças ocorridas e sentidas, após o nascimento de um filho é que o transformará em um pai com uma paternidade ativa e consciente e, não, apenas um pai que deseja ajudar ou auxiliar em alguns momentos. Ele conseguirá sentir e exercer a paternagem. Ele irá paternar!

Pais envolvidos afetivamente com suas crias também produzem, diariamente, o famoso hormônio do amor, chamado de ocitocina. Já é sabido o quanto o nível de ocitocina aumenta nas mulheres durante a gestação, aumentando ainda mais após o nascimento do bebê, especialmente durante a amamentação e o contato íntimo e duradouro com o(s) seu(s) filho(s). Aqui temos algumas diferenças: homens-pais não gestam e não amamentam seus filhos em seus seios, mas mesmo assim produzem o hormônio do amor quando entram em contato íntimo, duradouro e afetivo com seus filhos. Os pais podem e devem ter esse contato desde que o seu filho nasce, seja ele um bebê prematuro ou de termo. Quando os pais começam a afagar/ninar seus filhos, abrem a eles uma experiência significativa e baseada na prontidão e sensibilidade ao outro. E, para muitos recém-pais, essa vivência de contato íntimo e afetivo, também lhes permite descobrir a própria sensibilidade e a condição de amar incondicionalmente um filho.

Pelo contato pele a pele, pelo toque humano, pelas trocas de olhares, pelo cheiro e voz de seus pais e cria, bebês e pais vão criando entre eles um vínculo profundo e duradouro; construindo a linguagem do amor entre um filho e um recém-pai. E com a linguagem do amor estabelecida, o hormônio do amor, o sentimento de confiança e o bem estar afetivo vão sendo mais expressos em seu corpo e alma. O coração angustiado de um pai, diante de tantas novidades e responsabilidades, também vai se tornando mais tranquilo e sereno… mas, a medida que o pai é capaz e validado a exercer o seu papel de cuidador, protetor, mediador e guia para aquele novo ser. A paterganem é um vinculo afetivo e emocional, que firma-se no cuidado, no estar presente, no nutrir e fazer realmente a diferença na vida do filho. Acredito que seja exatamente o que você se dispõe a fazer quando ninguém está olhando, simplesmente, para fazer o filho se sentir amado, protegido e seguro.

E, portanto, assim como o maternar gera mudanças profundas e significativas para as mulheres, o paternar também fará esse mesmo processo para os pais. E que venham realmente mudanças transformadoras e significativas para todos os pais em seus diferentes núcleos e contextos familiares, pois são as experiências significativas é que nos transformam em pessoas mais conscientes, ativas e acolhedoras às necessidades alheias e, portanto, às necessidades de um filho.

Gratidão ao meu pai Élio Ruas de Oliveira, meu esposo Marcel Desco, aos meus irmãos Ricardo Ruas e Marcos Ruas e a todos os pais de UTI que pude conhecer até o momento. Vocês me ensinam muito sobre o real significado da paternagem!

Um feliz Dia Dos Pais a todos que desejam expressar a sua prontidão afetiva para paternar, Teresa Ruas e equipe interdisciplinar @prematurosbr.

Matéria completa: https://revistacrescer.globo.com/Colunistas/Teresa-Ruas-Vida-de-Prematuro/noticia/2020/08/teresa-ruas-damos-atencao-necessaria-ao-sofrimento-paterno.html

Compartilhar:

Deixe um comentário