As dificuldades das famílias de prematuros diante da pandemia de coronavírus

Devemos, urgentemente, rever alguns protocolos de visita e permanência dos pais em diversas UTI’s em nosso país

Hoje venho dialogar e tentar acolher, especialmente, as famílias que estão vivenciando a prematuridade ou alguma outra condição de risco em seu (s) bebê(s) em tempos de Covid-19.

Por participar de uma rede de apoio em prol da prematuridade e dos bebês de risco, com parceiros que vivem a mesma causa que a minha e de tantas outras famílias – @prematurosbr@prematuridade.com@prematuros_pelo_mundo, @to_integrasense@draanapaulaalves@dra.alinemenezespediatra@mundoadaptado, entre outros -, a cada dia que passa, recebemos depoimentos de mães e pais, assintomáticos de qualquer infecção virótica, incluindo o coronavírus, que são impedidos de ter o contato com os seus filhos e entrar na UTI Neonatal onde estão.

Infelizmente, por mais que existam as diretrizes do Ministério da Saúde e da Organização Mundial da Saúde (OMS) para que as práticas do movimento da humanização em contextos hospitalares, incluindo o aleitamento materno, contato pele a pele, método canguru e todo o cuidado destinado ao prematuro e bebê de risco, continue centrado na família – mesmo com pais sintomáticos e em casa – ; não temos um protocolo único de medidas para a permanência dos pais de bebês que estão em uma UTI Neonatal em tempos de Covid-19.

O nosso país é muito grande e diverso e isso dificulta muito que tenhamos um protocolo único para todas as UTI’s Neonatais. A realidade da saúde brasileira é muito distinta entre os estados. Felizmente, hoje, existem pais que conseguem permanecer na maternidade e manter o contato direto com seus filhos, sem hora marcada ou restrição de tempo e, seguindo todas as recomendações de segurança e higiene que a OMS e o Ministério da Saúde preconizam.

Algumas UTI’s realizam o protocolo de visitas com total responsabilidade e cuidados pelos bebês, como permitir a entrada de pais assintomáticos, após a temperatura ser aferida, após a resposta de um questionário sobre o quadro geral de saúde e após realizar todas as medidas de higienização das mãos, juntamente com o uso de máscaras. Mas, infelizmente, existem UTI’s Neonatais que estão permitindo visitas muitas rápidas de 15 minutos; outras com horários marcados e determinados e, outras ainda, que não estão permitindo a entrada dos pais em nenhum horário, repassando as informações gerais do estado do bebê para os seus familiares pelo telefone.

Apesar de todas as orientações dos órgãos de saúde para não impedir a entrada de pais assintomáticos nas UTI’s Neonatais, não é possível julgar “a  ferro e a fogo” as equipes que optaram por essa conduta mais extrema. Não sabemos a realidade de cada uma e em cada cantinho desse país tão desigual quanto aos recursos que a prática da área da saúde necessita para que, realmente, todas as medidas de proteção sejam mantidas para que os bebês de risco não sejam infectados, especialmente, diante de uma imunidade tão baixa, comparada com a de bebês que nascem sem nenhum fator de risco.

Por outro lado, sabemos também o quanto a falta de contato de um bebê com a mãe e o pai pode provocar danos para a saúde geral dessa criança e para a saúde emocional dos pais. Por exemplo, a taxa de aleitamento materno e a doação do leite materno estão caindo em algumas UTI’s Neonatais; mesmo diante de todas as comprovações científicas de que o coronavírus não é transmitido pelo leite materno e que até as mães sintomáticas, diante de todas as medidas de proteção e higienização adequadas devem manter o aleitamento materno, justamente pelo valor nutricional único que o leite materno possui, especialmente para os prematuros – não há a transmissão vertical.  Sabemos também o quanto o sucesso da amamentação depende, não apenas do aspecto fisiológico e hormonal da mulher, mas também do bem estar emocional e da interação e da conexão com o bebê. Sabemos também que a falta da conexão afetiva entre pais e bebês, especialmente entre mãe e filho, é uma das grandes causadoras de transtornos psíquicos, tais como a depressão e o transtorno de ansiedade.

Portanto, receber depoimentos de famílias que dizem estar há 30, 40, 50 dias sem ver o  bebê, recebendo apenas as notícias da equipe de saúde via telefone, nos dá a certeza de que devemos, urgentemente, rever alguns protocolos de visita/permanência dos pais em diversas UTI’s em nosso país. Porque sabemos que a presença da mãe e de um pai em uma UTI Neonatal pode garantir e melhorar a saúde fisiológica de seu bebê e garantir a saúde psíquica dessa família. Não ter acesso ao bebê fere até mesmo o que o próprio Estatuto da Criança e do Adolescente preconiza sobre o acompanhamento de um menor em situação de risco.

Não estou dialogando sobre essa dura realidade para que alimentemos o nosso coração de ódio, rancor e tristeza. Já estamos aprendendo que com ódio não chegamos a lugar algum. Estamos vivenciando um momento de grande aprendizagem sobre o valor do diálogo, da comunicação, do reiniciar, do reinventar, do tentar de novo e do não desistir. Dessa forma, venho por meio desse texto levantar a bandeira sobre a importância do diálogo entre Ministério da Saúde e UTI’s Neonatais; entre as próprias UTI’s de nosso pais; entre família e equipe de saúde; entre pais e neopediatras; entre pais e enfermeiros neonatais; entre pais com pais; entre pais e redes de apoio/ suporte…

Sei também que, mediante esse tempo que precisamos dialogar e nos reinventar, existem diversas famílias em extremo sofrimento pela ausência total dos filhos em seus braços, acalento e cuidado. Um bebê não existe sem os seus pais! E venho por meio do depoimento de minha mãe – Antonina de Brito Ruas – e de meu pai – Élio Ruas de Oliveira – que há exatamente 40 anos atrás vivenciavam a prematuridade extrema de sua filha caçula, Teresa Ruas, nascida entre 28/ 29 semanas gestacionais em uma cidade pequena e sem nenhum recurso tecnológico para manter a sobrevida de prematuros. Naquela época, meus pais não podiam entrar no berçário para me visitar, me tocar, me sentir… O método canguru nem existia como método científico. O movimento sobre a importância da humanização e dos cuidados centrados na família ainda não estavam nas pautas das práticas sociais e clínicas da área da saúde. Literalmente, era uma época em que um bebê de risco era separado de seus pais, pela crença científica de que era a melhor forma de gerar proteção para um organismo extremamente, imaturo e indefeso.

E meus pais me disseram que, mesmo sofrendo por não me terem em seus braços e por vários dias e dias, estávamos unidos e conectados pela alma e pelo nosso amor. Um amor que seria capaz de vencer qualquer distância ou sofrimento. Um amor capaz de manter pais e uma bebê prematura em constante ligação afetiva. E exatamente por acreditar e confiar na força do amor entre uma mãe e uma filha – minha mãe retirava o seu leite, realizando a ordenha manual, diversas vezes ao dia e, assim, conseguia levar leite materno para mim todos os dias e doar leite humano para todos os meus amiguinhos em situação de risco. Sim! Meu pai levava todos os dias o leite ordenhado ao hospital. E todos os dias eles recebiam notícias sobre o meu estado de saúde. Quarenta anos atrás todos me chamavam de fofolete, por ser uma bebê muito pequenina. E atualmente, aqui estou, como uma profissional de saúde que trabalha e luta em prol de todo e qualquer bebê de risco, suas famílias e mãe de dois prematuros… Mesmo que a vida nos mostre infinitas dificuldades e tristezas, ela também nos permite fazer marcas significativas em nossa existência e assim, lutar por uma causa que nos sensibiliza em favor do outro.

A minha causa atual, juntamente com todos os meus parceiros, é de promover o acolhimento a famílias prematuras nesse contexto de covid-19. Quero que todos os pais de prematuros saibam que não estão sozinhos. Estamos aqui! Atentos e com a possibilidade de um acolhimento. Entre em contato conosco. Entre em contato com a equipe de saúde que está responsável pelo seu filho. Peça informações, retire as dúvidas, peça fotos, vídeos… Sei que não estamos sentindo os abraços de acolhimento e nem enxergando os sorrisos cheios de esperança, mas estamos conectados pela essência de todos sermos seres humanos e que necessitam ser empáticos ao sofrimento do outro.

Um grande abraço, com afeto, Teresa Ruas e toda a rede de parceiros em prol dos bebês de risco e prematuros. Vamos vencer! Vai passar! Um dia de cada vez! Seguimos juntos!
Fonte: https://revistacrescer.globo.com/Colunistas/Teresa-Ruas-Vida-de-Prematuro/noticia/2020/05/dificuldades-das-familias-de-prematuros-diante-da-pandemia-de-coronavirus.html

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