O encontro dos irmãos pela primeira vez: um relato de uma mãe de UTI Neonatal

“Filho muda tudo”. Sempre ouvimos isso de quem os tem. “É um amor que você nunca sentiu”. Outra das frases mais ouvidas. Clichês, mas quando nos tornamos pais é o que queremos gritar para o mundo. 

Ai você engravida e começa a imaginar tudo: barrigão, sentindo bebê chutar, o parto natural perfeito, filho grudado no peito. Tive tudo isso com a minha filha e quando engravidei do segundo, um dos momentos que mais sonhava eram os irmãos se conhecendo, aquele momento que o amor multiplica e você ama mais que qualquer razão e palavras e poemas conseguem explicar. Irmãos. Eu tenho três, dois mais velhos e um mais novo e sempre quis ter mais de um filho. E ai vem a prematuridade e acaba com esse sonho de ter os filhos conectados, desde o início de vida do filho mais novo. Pelo menos temporariamente. 

Meus filhos se conheceram quando meu filho tinha dois meses. Do dia que engravidei falávamos para Amanda sobre o irmão. Temos um doppler em casa (aparelho de ouvir o coração do bebê na barriga) e ela ouvia, beijava a barriga e estava lá quando descobrimos que era o Daniel que estava a caminho. Ele nasceu com 29 semanas e 4 dias. Para o irmão mais velho, ter um irmão é algo difícil. Ele terá que dividir a atenção dos pais.

Tive uma cesárea de emergência e eu e o Dani ficamos em hospitais separados. A Amanda veio me ver em todos os 5 longos dias que fiquei internada me recuperando de uma cesárea clássica (corte no útero é vertical, não horizontal na linha do bikini como são as normais). E o Daniel foi encaminhado para a UTI Neonatal, onde só quem pode visitar o bebê são pais e avós. 

Essa medida de não permitir a entrada de irmãos aconteceu em todas as UTI’s Neonatais na Austrália porque há alguns anos atrás, uma criança foi visitar um irmão e estava doente. Os pais não informaram as enfermeiras e naquela semana, dois bebês faleceram da mesma doença. Inclusive, mesmo para os pais e avós existem diversas orientações de jamais ir visitar o bebê se não estiver 100%. E se estiver com dor de garganta, usar uma máscara, lavar as mãos e não beijar os bebês. Tudo para evitar o que pode ser evitado. 

Uma enfermeira me disse uma vez: “aqui, muita coisa foge do nosso controle, mas o que esta em nossas mãos, faremos de tudo para proteger o seu filho com toda nossa força”. E eu vi isso várias vezes. 

Minha sobrinha veio nos ajudar e eu precisei de uma autorização especial para ela visitar o Dani por ser o único familiar que estaria aqui conosco. E tinha que andar com essa autorização, pois várias vezes, uma enfermeira vinha perguntar o que ela estava fazendo lá. 

Bem, então lá estava eu, minha família naquela rotina exaustiva de UTI: eu passava o dia com o Dani, saia as 4pm, pegava Amanda na escola, ia para casa, dava banho, jantar, brincava um pouco e muitos dias, voltava para ficar com o Dani umas 7pm e ia embora as 10pm para repetir no dia seguinte. Ele foi aos poucos melhorando, saiu da sala principal, onde ficam os bebês que mais precisam de cuidado e eu fui fazendo amizade com as enfermeiras. Finais de semana, sempre nos revezávamos para ir vê-lo e por diversas vezes a Amanda ficou lá fora da UTI com um de nós enquanto o outro visitava o Dani. Quando ele começou a mamar no peito, eu passava até algumas noites no hospital para dar o peito de madrugada. 

Eu, honestamente, não sei o que se passava na cabeça dela, mas talvez ela até duvidasse que esse irmão existisse. Ela via fotos, ouvia falar, mas cadê ele? O Dani então foi para o berçário, um passo mais perto da saída, de casa, e estava bem, esperando ganhar mais peso e sair do oxigênio. 

Minha sobrinha chegou aqui na Austrália e ver o Dani no colo dela foi um dos momentos mais emocionantes que vivi. Meu bebê, conhecendo família. E minha sobrinha ainda que é um dos amores da minha vida (ah, ela tem 24 anos). 

Até que um dia, uma das enfermeiras me perguntou “E a Amanda está bem?”. Eu disse que sim, mas que eu sonhava com o dia que ela fosse conhecer o irmão, e ela me disse: “Hum, vamos dar um jeito”. ¨Um domingo ou a noite que tem menos gente, vocês a trazem, ela o vê pelo vidro, tudo bem?”. Meu Deus! Meu coração deu um pulo, a abracei, chorei, e agradeci muito. Demorou ainda duas semanas para acertarmos o turno das enfermeiras. Um dia estava tudo certo, mas teve uma emergência com um bebê e cancelamos. Eis que na quarta, meu marido buscou Amanda na escola e a trouxe com ele para o hospital. Assim que eles chegaram, falei para a enfermeira, ela checou se estava tudo certo e levaram o Dani para uma sala individual e vazia.

Amanda entrou na UTI no colo do meu marido e agora, um ano depois, eu estou escrevendo sobre isso com lágrimas escorrendo no meu rosto. Ela entrou na salinha, eu estava com ele no colo. Ela olhou, me abraçou, passou a mão nele e foi como eu sonhei. Ela com uma carinha desconfiada, mas encantada pelo irmão. E ai ele chorou. Ela assustou e fez carinho na mão dele e nesse momento, eu senti um amor que jamais conseguirei explicar. Foi um dos dias mais emocionantes da minha vida. 

Aquele momento foi revivido por mim até o dia 29 de junho de 2018 quando eles se reencontraram no carro e ela o pegou no colo pela primeira vez em casa. Ele tinha três meses. E… como mãe de segunda viagem… eu sonhei tanto com esses momentos quando estava grávida: o encontro dos irmãos, com ela segurando ele no colo. O primeiro encontro não foi bem como sonhei, mas quando aconteceu, fez todo cansaço, insegurança, medo da UTI, a imagem dos cabos e o som das máquinas hospitalares sumirem da minha mente e de meu coração. Naquele momento só existíamos nós 4, a nossa família. *No Brasil, existem programas de visitas dos irmãos mais velhos e acompanhados pela equipe de psicologia. Porém, ainda não é uma realidade que acontece em todas as UTI’ s particulares ou públicas de nosso país de origem. Infelizmente!

Um grande abraço, Aline Arruda

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