O momento da alta hospitalar: o relato de uma mãe de 2 prematuros

Olá a todos! Um dos momentos que sempre me impactou muito como mãe de UTI Neonatal duas vezes e que carrego marcas desse dia, até hoje, é o momento da alta hospitalar. Como tive a honra e a oportunidade de conversar com várias mães no encontro da revista crescer sobre prematuridade, as quais me trouxeram preocupações sobre a alta hospitalar e sobre como receber a criança em casa, resolvi postar uma pequena parte de um dos capítulos do livro Prematuridade Extrema: Olhares e Experiências 2016, da editora Manolle, no qual sou a autora organizadora.

Resolvi postar o meu testemunho, pois, cada vez mais, venho percebendo em minhas vivências pessoais e profissionais em prematuridade o quanto nós pais de UTI Neonatal podemos nos fortalecer diante de relatos, experiências e histórias semelhantes ao que vivemos com os nossos filhos. Creio que relatos sensíveis, verdadeiros e otimistas podem e devem ser utilizados como fontes de esperança para as famílias que vivenciam a prematuridade e suas consequências a curto e a longo prazo.

Como disse no começo desse post, uma das maiores motivações internas que existe em pais de UTI Neonatal é que o dia da alta irá acontecer, por mais que esse momento possa se demonstrar, em várias situações, muito distante e, às vezes, bem improvável.

É fato que nós pais já começamos a nossa vivência na UTI Neonatal, pensando no dia em que vamos sair. No início, imaginar que iremos passar 1, 2, 3, 4, 5, 6 ou mais meses parece ser uma realidade que não cabe jamais em nossos planos, vidas e expectativas. Os 30 primeiros dias já são tão difíceis e intermináveis. Como então é possível passarmos um tempo muito além do primeiro mês?

É por isso que contamos as horas, os dias e os meses incessantemente, pois viver um dia em uma UTI significa 24 horas a menos na contagem dos dias/meses para a alta. Essa contagem incessante gera até mais ansiedade e angústia em nós pais, mas é uma forma que encontramos para nos mantermos ‘vivos’ e confiantes de que levaremos o nosso bebê para casa e para o seu próprio quartinho.

Porém, quando a alta está bem perto de acontecer um medo avassalador pode tomar conta de nossos corações. Foi isso que aconteceu comigo e com o meu marido, Marcel, especialmente na alta de Maitê Maria.

Diferentemente do momento de alta do meu segundo filho,- Lucca de 32 semanas- Maitê Maria teve a sua alta, mas ainda necessitava de oxigênio em vários momentos, como, por exemplo, durante e após as mamadeiras. Como toda prematura de 23 semanas, sua saturação ainda caia, necessitando, frequentemente ao longo do dia e da noite, de um pouco mais de oxigênio. Por isso, fomos para casa com o homecare e todos os aparelhos para continuarmos a medir os níveis de saturação.

Não posso negar o quanto estávamos felizes com a nossa filha em casa. Ela agora estava conhecendo o seu próprio lar. E mais do que isso, teria a vivência de um cotidiano e de hábitos escolhidos pelos seus próprios pais, por mais que ainda tivesse uma rotina de visitas médias e dos outros profissionais da saúde diariamente.

Porém, o medo de acontecer alguma coisa e Maitê Maria não estar mais no hospital rondava as nossas mentes de pais de prematuros. Nesse momento, por mais que existisse uma equipe de saúde em nossa casa, os grandes responsáveis por todos os procedimentos, em caso de alguma emergência, éramos eu e Marcel. É como se vivêssemos a realização de um sonho, mas totalmente entremeado por muito medo, muita preocupação e muita ansiedade.

Os nossos medos não eram se não iríamos conseguir dar o primeiro banho em casa, trocar as fraldas, dar a primeira papinha, colocar as roupas e, sim, como iríamos nos comportar e agir se nossa filha tivesse uma parada respiratória repentina, quedas bruscas de saturação ou se pegasse algum vírus que pudesse causar problemas respiratórios sérios, como os quadros de bronquiolites em prematuros extremos. Ou seja, o nosso maior medo residia na possibilidade de termos que tomar decisões urgentes. Decisões essas que poderiam determinar até mesmo a qualidade de vida de nossa filha. 

Pois, apesar de estarmos em casa e preparados para as atividades típicas de um bebê de 6 meses de idade cronológica e 2 meses (61 dias) de idade corrigida, ainda tínhamos que ter todos os cuidados para a manutenção da vida de nossa bebê. Maitê Maria não era uma típica criança de 6 meses. Comportava-se como um bebê de 2 meses de idade, com todas as fragilidades de um lactente que nasceu prematuro extremo,  necessitando de um rigoroso acompanhamento médico e de um ambiente sem contatos com outras pessoas, familiares e que fosse totalmente esterilizado.

Nas nossas primeiras noites, eu e Marcel não conseguíamos nem sequer cochilar. Não que não existisse um extremo cansaço e uma exaustão física e emocional fruto de todo o período de internação. Mas os barulhos de 3 em 3 minutos do oxímetro e a necessidade de oxigênio para manter a saturação nos níveis desejados não permitiam que fechássemos os olhos.

Foram noites extremamente cansativas, mas a todo tempo pensávamos que apesar de todas as dificuldades de pais de uti de primeira viagem, estávamos com nossa filha em casa.

Porém, o cansaço e a preocupação são tão intensos e acumulativos em nós pais de UTI que senti muita falta de um acompanhamento profissional e/ou mais encontros com pais de UTI com o objetivo de gerar mais suporte afetivo e informacional a nós, pais de crianças de alto risco. Afinal, a vivência da prematuridade extrema não se finaliza com a alta. As particularidades dessa mesma condição acompanharão as crianças, pelo menos até os primeiros 2/ 3 anos de vida e exigirão muitas mudanças na rotina familiar e, principalmente, na materna.

Imaginem só uma criança chegar em casa pela primeira vez com 6 ou mais meses de idade cronológica, necessitar ainda de todo um suporte e acompanhamento clinico, necessitar ainda da presença majoritária de uma mãe e ter uma restrição absoluta de contato com pessoas que sejam diferentes dos seus pais?

É, sim, uma família que passará por modificações em sua estrutura, especialmente no aspecto profissional e emocional. Se antes do nascimento de um filho de alto risco, pai e mãe trabalhavam e ambos tinham uma rotina diária fora do lar, várias mudanças são necessárias a fim de acolher as necessidades de um bebê prematuro extremo no período da alta.

Frequentemente a mãe, como ocorreu comigo, não pode voltar as suas tarefas profissionais, além de ter que lidar com todas as questões do mundo da maternidade, assimilar melhor todo o sofrimento vivido diante da prematuridade extrema e ter que ‘absorver’ todas as modificações que impactarão sua carreira profissional, mesmo que momentaneamente.

Venho percebendo ao longo desses últimos anos que mães de UTI são, sim, mães que desde o início de toda a trajetória devem ser fortalecidas emocionalmente para lidarem melhor com todas as transformações que ocorrem e impactam o seu próprio papel social como mulher. A família, o marido e os amigos mais próximos precisam ser fontes de suporte afetivo. Não que o pai também não necessite também de todo o suporte afetivo de familiares e amigos. Porém, frequentemente, é a mulher quem ‘abre mão’ de sua rotina e de suas atividades habituais para acompanhar as necessidades de um bebê recém chegado em casa.

Dessa forma, o momento da alta e pós alta por mais sonhado e desejado não é nada fácil. Como disse anteriormente, sentimos muito medo e muita insegurança. Mas é também um período propício para ocorrer muito crescimento, muita aprendizagem e muitas experiências que comprovam que os pais são muito capazes de acompanhar e de promover o afeto, o bem-estar, o conforto, o cuidado e o desenvolvimento de uma criança de alto risco, como os meus dois filhos prematuros.

Diante de nossas experiências diárias e de cuidado com os nossos filhos, a dependência emocional das enfermeiras e da equipe médica vai diminuindo aos poucos e, assim, conseguimos exercer a maternidade e a paternidade com mais confiança, sem tantas culpas e com mais tranquilidade. Aos poucos a chegada de um bebê em casa vai nos mostrando que é possível sermos pais e, não apenas pais de uti! 

Pessoalmente, apesar de todos os desafios enfrentados, um dos recursos mais potentes para lidar e ‘cicatrizar’ alguns traumas dos meus dois períodos de uti foi exatamente a experiência da maternidade, envolvendo todas as suas ‘belezas’, ‘dificuldades’ e medos. Ter os meus filhos em meus braços e eu ser a grande responsável por todos os cuidados diários e decisões a serem tomadas, realmente, foi para mim um dos melhores recursos terapêuticos para lidar com as dores e marcas típicas de longas internações em ambiente hospitalar.

Espero que esse relato possa ser suporte emocional para várias famílias, especialmente para verificarem que o medo é um sentimento muito comum no momento da alta hospitalar e que não deve ser julgado e, sim, compreendido e contextualizado. Aos poucos, o medo vai diminuindo, nossa confiança vai crescendo, os nossos filhos vão crescendo e nossas marcas/ traumas vão ganhando outros significados….

Posto aqui uma foto dos meus dois prematuros maiores, justamente para as famílias verificarem que os momentos de extrema dificuldade e tristeza podem passar… alguns ficarão marcados para sempre em nossos corações e almas, mas outros vão sendo atenuados pelas delicadezas que a vida nos oferece diariamente… até mesmo para os pais que perderam os seus filhos e os tem atualmente, como os nossos guerreiros-anjos. Sinto muita admiração e respeito por todos vocês!

Um grande abraço, Teresa Ruas e Ana Luiza Andreotti

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