Teresa Ruas: “Todo prematuro apresenta particularidades em seu desenvolvimento?”

A ciência não consegue afirmar que todos os prematuros terão as mesmas trajetórias e, tampouco, que irão apresentar sequelas graves provindas, por exemplo, de insultos neurológicos.

(Foto: Getty Images)

Há algumas semanas recebi uma pergunta de uma mãe de um prematuro extremo, nascido de 24 semanas gestacionais, sobre o desenvolvimento de crianças consideradas de alto risco. Essa mesma mãe me perguntou por meio do instagram do projeto interdisciplinar @prematurosbr se, realmente, todo prematuro, especialmente o extremo, apresentaria, obrigatoriamente, particularidades, dificuldades ou atrasos específicos em seu desenvolvimento.

Essa pergunta fez e faz tanto sentido, que realizamos algumas ações específicas sobre isso e hoje venho aqui dialogar com vocês, mães e pais de prematuros, para aumentarmos ainda mais a conscientização.

Sabemos o quanto a prematuridade e o baixo peso ao nascimento são, sim, fatores de risco de ordem biológica para todo e qualquer bebê. Quanto mais esse bebê nascer distante das 40 semanas gestacionais e dos 2,5 kg, mais ele apresentará necessidade de um contexto hospitalar para que o seu processo de maturação fisiológica, crescimento e desenvolvimento seja mantido da melhor forma possível. Os bebês que nascem com menos de 28/ 29 semanas gestacionais e com peso inferior a 1 kg necessitam passar mais tempo em um contexto hospitalar, exatamente por conta de toda a a imaturidade fisiológica, que afeta órgãos nobres como coração, pulmão, intestino, rim, retina, cérebro… É o que acontece com os bebês que nascem muito pequeninos, pesando o seus 500 g ou menos e que passam por um longo período de internação, com a experiência de diversos procedimentos clínicos e/ou cirúrgicos, diversos exames e uma instabilidade clínica que demarca dias muito bons e dias muito ruins/difíceis na evolução desses pequenos guerreiros. O ambiente de montanha russa na parte clínica dos nossos filhos é bem conhecido pais de prematuros. 

Porém, por mais que a ciência e toda a experiência em neonatologia/pediatria nessas últimas décadas, verifiquem a maior probabilidade de prematuros, especialmente dos extremos, apresentarem particularidades, dificuldades e/ou atrasos em seu processo de crescimento, desenvolvimento e aprendizagem diante de todo o quadro de imaturidade com que eles nascem, essa mesma ciência não consegue afirmar que todos os prematuros terão as mesmas trajetórias e, nem tampouco, que irão apresentar sequelas graves provindas, por exemplo, de insultos neurológicos, como as famosas hemorragias intracranianas e a leucomalácia periventricular.

Além de se investigar e se atentar aos insultos neurológicos mais frequentes em prematuros, penso como mãe de dois prematuros sem sequelas importantes, que a ciência e os profissionais de saúde deveriam se atentar também ao que chamamos de resiliência individual, plasticidade/maturação neurológica e ao valor das experiências ambientais, afetivas e lúdicas para a promoção da organização/adaptação neurológica e desenvolvimento infantil.  

Quando exponho isso como mãe de dois prematuros e profissional da saúde que sempre trabalhou com desenvolvimento infantil, prematuridade e crianças com fatores de risco biológico – prematuridade, baixo peso, cardiopatia congênita, entre outros  – e sociais – vulnerabilidade social, desnutrição pela miséria, atrasos no desenvolvimento diante da falta do cuidado/afeto, entre outros -, não estou negando a grande probabilidade de um bebê prematuro, especialmente o extremo, apresentar, sim, alguma particularidade em seu processo de crescimento, desenvolvimento e aprendizagem. Porém, estou tentando demonstrar que, ao nascer um prematuro, não saberemos como será a qualidade de sua resiliência, de sua organização e adaptação neurológica; ou seja, como ele irá “ lutar”, “reagir” e se “organizar” frente aos diferentes e difíceis  insultos/sensações/ experiências que seus órgãos terão que passar sem a maturação necessária para tudo isso.

A resiliência individual é a condição de um organismo enfrentar grandes desafios e dificuldades sem vivenciar tantas sequelas ou problemas. É como se um copo de vidro caísse ao chão, trincasse, mas não quebrasse. E a resiliência é algo que não saberemos sobre sua qualidade, antes de termos que enfrentar problemas, sejam eles de ordem biológica, social e/ ou afetiva. Exatamente é por isso que alguns copos de vidro, feitos do mesmo material, irão quebrar em pedacinhos, outros irão trincar e, outros ainda, nem irão quebrar. Como assim, Teresa Ruas? Se um mesmo copo pode ter diferentes trajetórias, imagine os nossos bebês… Prematuros, nascidos com a mesma idade gestacional, mesmo peso e mesma história clínica poderão ter trajetórias completamente distintas, começando pelo tempo de internação, procedimentos clínicos e/ ou necessidades cirúrgicas.

E quem aqui é mãe ou pai de prematuro e está lendo esse texto concorda comigo, não é mesmo? Os bebês, mesmo os considerados de risco, também são diferentes e distintos. Apesar dos grandes riscos que os nossos prematuros apresentam e que podem afetar todo o processo de crescimento, desenvolvimento e aprendizagem, existe uma característica que é individual e que, juntamente, com as experiências afetivas, ambientais e lúdicas adequadas potencializarão a organização, adaptação e maturação neurológica de um dos órgãos mais nobres de nosso corpo e o grande responsável pela expressão de comportamentos e habilidades que vão aumentando o grau de complexidade ao longo da nossa vida, mas especialmente ao longo dos primeiros anos de vida: o cérebro.

Ah… como o cérebro irá se organizar e se adaptar frente aos insultos que recebeu e à falta de experiências ambientais adequadas diante de um longo processo de internação, somente com um acompanhamento preciso entre família e profissionais da saúde, para primeiro dar tempo e experiências favoráveis para a plasticidade e maturação neurológica agirem e darem respostas – condição do cérebro se moldar, adaptar-se, maturar-se.

Além disso, é indiscutível o poder das experiências afetivas, lúdicas e ambientais sobre todo esse processo e que começa desde a UTI Neonatal. Por exemplo, os bebês que possuem maiores experiências de contato pele a pele e Método Canguru possuem uma melhor condição de organização neurológica. Isso quer dizer que a resiliência individual e neurológica ganham forças para enfrentar as dificuldades provindas de um contexto hospitalar. E isso está comprovado cientificamente. Bebê que recebe colo é mais tranquilo, é mais atento a voz dos pais, tem menos queda de saturação, melhor imunidade, ganha peso mais rápido, entre tantos outros comportamentos que somente refletem uma melhor organização neurológica e uma melhor homeostase – equilíbrio orgânico.

Pois bem, sabemos, sim, o quanto a prematuridade e o baixo peso são fatores de risco biológicos para os nossos bebês, mas também sabemos o quanto o crescimento, desenvolvimento e aprendizagem não dependem apenas, da biologia/ genética e da história clínica inicial de um bebê, mas também de aspectos que precisam ser melhor investigados e dialogados como, o poder individual de cada um de nós se adaptar frente ao ambiente e situações desfavoráveis ao desenvolvimento, tais como a resiliência, plasticidade, maturação neurológica e o poder do afeto e das experiências frente a tudo isso.

Cada indivíduo é único em sua grandeza! Cada bebê terá a sua história! Cada bebê terá a sua marca! Cada bebê terá as suas particularidades! E cabe aos principais cuidadores dialogarem com os seus pediatras responsáveis para realizarem o melhor acompanhamento para os nossos prematuros. Pois acompanhar é o melhor caminho para a promoção da saúde infantil e a prevenção de possíveis dificuldades.

Teresa Ruas, a filha Maitê, o marido Marcel e o filho Lucca (Foto: Arquivo pessoal)

Com afeto, Teresa Ruas

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