“Transformamos problemas cotidianos em transtornos mentais”: adoecimento coletivo

Olá a todos os seguidores e um bom dia!

Hoje sentei na frente do computador para pensar em qual tema iria expor no blog. Mas ao ler essa matéria sobre a medicalização/patologização da saúde cotidiana – link abaixo- a sensação de um nó em meu estômago tomou conta de mim e a decisão já estava feita.  E recomendo a todos a leitura. Ao meu ver é uma leitura obrigatória para os profissionais de saúde, educadores e pais. 

E diante da leitura dessa matéria não tem como não pontuarmos importantes questões e reflexões sobre como a sociedade humana está compreendendo o que, de fato, significa ‘viver’, ‘ter saúde’ e ‘adoecer’.

O primeiro ponto é que VIVER significa, sim, ter encontros, experiências e vivências com diferentes sensações, percepções e sentimentos ao longo das relações afetivas e sociais cotidianas. O nosso corpo, essa interação dinâmica entre razão x sentimentos, afeto x cognição, espiritualidade x ciência, corpo físico x mente, entre outras dicotomias que vivem relacionadas entre si, não pode ser compreendido como uma máquina, composto apenas por engrenagens/ partes separadas e que devem funcionar de um modo único, como um relógio- modelo cartesiano-.

Meu Deus! O corpo não é uma máquina e que deve entrar em ‘manutenção obrigatória’ quando uma de suas partes não interage com uma outra, seguindo a mesma velocidade, o mesmo padrão e/ou ritmo imposto. 

Nós não somos máquinas que precisam a todo tempo de um ‘concerto’ e/ou de uma ‘manutenção’ para eliminar qualquer sinal que o nosso próprio corpo emita. Sinais esses que são vitais e sagrados, que muitas vezes são expressão de vida e, que são classificados como um grupo de sintomas. Deveria e precisa ser ao contrário! Somos seres humanos, seres em constante adaptação frente às demandas sociais/ambientais. Demandas essas que nos exigem, frequentemente, um grau de resiliência e de autoconhecimento para enfrentá-las. E são exatamente as dificuldades, os sentimentos difíceis, as angústias existenciais, as mudanças, os problemas cotidianos que vão aos poucos lapidando a nossa resiliência e nos dando recursos internos e/ou externos para enfrentarmos melhor as diferentes situações de estresse.

Sem enfrentamento das dificuldades não desenvolvemos a nossa inata condição de nos adaptarmos e de sermos uma espécie humana resiliente e sobrevivente a tantos milhões e milhões de anos nesse planeta.

E por que querem ‘anular’ e ‘calar’ umas das principais e marcantes características humanas? Por que a ciência ainda tenta ‘ditar’ que o processo de saúde deve ser compreendido como a ausência total de doenças? Por que ainda somos educados para entender que o corpo deve estar em perfeito equilíbrio e em harmonia para ter bom funcionamento, se, em primeiro lugar, não somos máquina e, se, em segundo, não existe a prefeita harmonia? Convenhamos, essa perfeita harmonia defendida pela ciência, é uma verdadeira utopia e totalmente irreal. 

E toda a sociedade, em todos os seus níveis, tentam ditar essa perfeita harmonia que não existe em nossas vidas. Saúde e doença, primeiramente, antes de serem compreendidos como a ausência total e/ou a presença de sintomas descritos em manuais diagnósticos, devem ser compreendidos como um processo de vida. E processo de vida significa ter possibilidades de viver, de sentir no corpo, de perceber os sentimentos em nossas entranhas, de descobrir o quanto sagrado é a morada de nossos afetos, de refletir sobre as nossas angústias existenciais, de conseguir afetar o outro e de nos deixar afetar.

E como será que experimentamos todas essas sensações citadas acima se não for em nossa vida cotidiana, em nossos fazeres diários, em nossas ações sagradas, em nossas relações afetivas com o outro presencial e com o nosso diálogo interno? Como disse, várias vezes nesse post, NÃO SOMOS MÁQUINAS! Os seres humanos reagem de forma diferente quando são expostos ao seu cotidiano e às suas atividades diárias. Não somos iguais! Somos diferentes! E justamente diante dessa diferença é que não sabemos se diante dos afazeres, relações e acontecimentos diários e característicos da espécie humana, como fazer uma prova classificatória, comemorar mais um ano de vida, entrar na adolescência, romper com o namorado, ter a primeira transa, ser despedido do trabalho, vivenciar a morte de um ente querido, gerar uma criança no ventre, discutir com um amigo, sofrer mudanças bruscas na rotina de trabalho, crise conjugal, mudar de país, vivenciar uma birra do filho no supermercado, ficar triste, entre outras ações e acontecimentos humanos… como cada um de nós, sentirá, elaborará, compreenderá, responderá a cada uma das mais variadas situações da própria VIDA.

Alguns expressarão lágrimas, outros muito sofrimento, outros um pouco mais de ansiedade, outros ainda um desespero que se alastra pelas vísceras, alma e coração, alguns uma certa rigidez/ frieza e, outros ainda, uma qualidade de resiliência, com os seus diferentes suportes sociais e afetivos.

Porém, como somos seres humanos e diferentes entre si, não sabemos ao certo como vamos vivenciar os acontecimentos que vão ‘recheando’ o nosso cotidiano e nos gerando marcas existenciais.  Isso é a VIDA e nos permitirmos viver.

E se a cada dia transformamos os fatos inesperados e os problemas cotidianos em transtornos mentais, estamos nos matando. E afirmo e sem ‘pudor’, que ao permitirmos essa exagerada medicalização e adoecimento de experiências que caracterizam a existência humana, estamos gerando, sim, um suicídio coletivo e social.

É de extrema urgência que a sociedade e os seus pontos de encontros sociais e que deveriam empoderar a expressão humana, como as escolas, conscientizem-se dessa realidade caótica. Estamos aqui para expressarmos quem somos, como somos, o que sentimos, como sentimos e, não para sermos transformados em estatísticas científicas, probabilidades e/ou uma massa populacional que não se enquadra no estreito funil da normalidade ditada.

Ao permitirmos a classificação de qualquer sensação, percepção e sentimentos que surgem, naturalmente, na vida cotidiana- aqui não estou discutindo sobre os ‘reias’ sofrimentos psíquicos  que necessitam ser diagnosticados, acompanhados e/ou medicalizados- , estamos permitindo que a verdadeira voz de nossa existência se cale. E com esse calar perdemos a valiosa oportunidade de nos compreendermos melhor, de elaborarmos a nossas feridas, de nos empoderarmos frente às nossas diferenças e particularidades e, de nos tornamos uma espécie capaz de nos adaptarmos.

É muito preocupante e triste essa realidade de total adoecimento das próprias condições que deveriam gerar mais saúde, mais bem estar, mais resiliência e mais respeito entre os seres humanos.

E abaixo segue o link da matéria completa, com mais explicações das verdadeiras causas da extrema patologização da VIDA.

http://brasil.elpais.com/brasil/2014/09/26/sociedad/1411730295_336861.html

Um grande abraço, boas reflexões, Tetê e Maitê Maria

Até o próximo post!

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